Comendo saúva

Um dia, papeando à beira de uma cachoeira na Floresta Amazônica, reclamei da formigaiada que forrava o chão, ameaçando meus pés descalços. Meu guia, meio que assim de passagem, comentou:

– Esta saúva a gente come muito, quando não tem pimenta em casa.

Saúva? Pimenta?

– É, é apimentada. E dá para fazer chá também, parece capim-santo – disse Manuel, o guia, um caboclo de uns 60 anos, todos eles passados dentro do mato.

– Quer provar?

Relutei, confesso. Comer saúva, assim, sem preparo, sem farofa, sem técnica humanizada de abate? Elas estão vivas, pô. Mas, a essa altura, o Manuel já tinha pego uma coitada no chão, entre o indicador e o polegar e, sem pestanejar, com a outra mão, arrancava a cabeça do corpo para depois cuidadosamente descascar as antenas e as mandíbulas. O que sobrou em sua mão foi uma bolinha quase preta, a cabeça roliça da saúva.

– Cheira – ordenou o Manuel.

Igualzinho a capim cidreira, ou capim-santo como se diz ao norte.

Enfim, provei. Que delícia. Tinha um quê de pimenta–do–reino, picante, e um sabor bem parecido com cidreira, só que ainda mais vivo, mais cheio, se espalhando pela boca. Uau.

No mundo inteiro, há milênios, gente simples como o Manuel guarda os segredos das maiores iguarias que existem. Quem foi o pescador maluco no centro da Ásia que em algum momento achou que ia ser uma boa ideia meter na boca um bocado daquelas nojentas ovas pretas de esturjão? Que bravo camponês francês, destemido do cheiro de chulé, encarou aquela massa de leite embolorado e descobriu que queijo fedido é delicioso? Que doido fazendeiro italiano primeiro enfiou na boca aquelas bolas de fungo descobertas pelos porcos.

As comidas mais sofisticadas e caras do mundo têm sempre suas origens numa tradição culinária imensamente rural e popular. Claro. É em lugarejos perdidos e cercados de natureza que os homens ousam colocar na boca esquisitices nojentas que acabam se tornando a mística gastronômica de um povo.

No Brasil, tendemos a desprezar o saber popular sobre as coisas da terra. Preferimos cultuar o caviar, o rockefort ou a trufa negra, prestando homenagem ao saber ancestral de outros povos, e enviando milhares de dólares para a Europa. Isso é típico do nosso complexo de viralatas: as coisas daqui não prestam, importado é melhor.

Acontece que não é. A Amazônia é a mais potente fábrica de matéria orgânica do mundo, alimentada por uma quantidade insuperável de umidade, calor e nutrientes. Em nenhum lugar do mundo há tantos sabores, tantas esquisitices, tantas coisas para serem experimentadas. E estamos sistematicamente queimando tudo para colocar pasto no lugar.

Semana passada, por causa de um projeto jornalístico, tive uma reunião com o Alex Atala, tido como um dos maiores chefs do mundo. Ele falava de sua paixão pelas possibilidades gastronômicas da Amazônia. Uma hora ele se empolgou.

– Vem aqui. Preciso te mostrar uma coisa – ele disse

Entramos na mítica cozinha de seu restaurante, o D.O.M., e ele abriu a porta de um congelador. Lá de dentro, tirou um pote de plástico, desses de sorvete, e abriu. Olhei dentro da caixa e vi algumas centenas de saúvas engruvinhadas uma na outra. Pus uma delas na boca, e o sabor transbordante de pimenta e cidreira me transportou de volta para aquela cachoeira amazônica, perto da casa do seu Manuel.

Perguntei o que ele pretendia fazer com as saúvas.

– Não sei ainda – respondeu, cheio de mistério.

Será que vai dar tempo de sabermos? De desvendarmos o infinito potencial da floresta? De tirarmos dela os sabores do Brasil do futuro?

23 comentários
  1. Victor Faverin disse:

    Tenho muita esperança de que a tão alardeada criatividade brasileira seja conhecida pelo mundo. Somos, majoritariamente, exportadores de commodities. Já li muitos textos e debates – inclusive aqui – falando que o Brasil precisa se fazer conhecer. Muita gente lá fora acha que a Embraer é alemã e que o suco de laranja brota da caixinha. Talvez seja tudo questão de orgulho próprio, de reconhecimento das raízes, como o Denis falou. Espero que nos próximos anos tenhamos mais vontade de conhecer o Brasil, ao invés de almejar, logo de cara, uma viagem pra Paris, Roma e Havaí. Mas será que é tão fácil nutrir uma cultura de amor próprio, de valorização das coisas que existem aqui?

  2. jorji disse:

    Pasto na Amazônia é de uma sandice………….me revolta………….é fim de tarde, não quero me estressar, mas voce tem razão, Denis, como nosso país é…….

  3. reynaldo disse:

    Enquanto alguns poucos restaurantes finos estiverem servindo essas deliciosas formiguinhas para um público seleto e, com isso, estiverem estimulando um comércio igualitário entre a grande cidade e algumas comunidades caboclas amazônicas, acho que a idéia é boa e o sistema pode ser sustentável. Agora se o gosto pela formiga-pimenta se massificar (não somos elitistas a ponto de desejar que esse gosto se restrinja a algumas naturezas finas de nascença que, por coincidência, se encontram na classe rica, não?) teremos alguém modificando essas cabeçudas geneticamente para que se tornem cada vez mais produtivas, maiores, de crescimento mais rápido, como galinhas de granja ou como bois nelore. Quanto quer apostar que essas belas saúvas vermelhas e vivazes vão então se tornar brancas como fantasmas e letárgicas, passivas, na medida em que perdem sua substância nativa? Daí teremos enormes fazendas produzindo artificialmente quilômetros a fio de formigueiros, mantidos em condições ideais de umidade e temperatura em função do ritmo de alta produtividade que é a virtude última do capitalismo associado à ciência positiva. Daí em diante, sabemos o que acontece.

  4. denis rb disse:

    reynaldo,
    Faz toda diferença comercializar um produto “por grama”, e não “por tonelada”, como é o gado. Num hectare, onde hoje vive um único boi, na média, pode haver milhares de diferentes produtos, todos eles com alto valor no mercado. Há na Amazônia uma infinidade de recursos raros ou difíceis de explorar (imagino que não seja fácil catar saúva), que naturalmente serão mais restritos, custarão mais caro. Talvez só se possa experimentar uma delícia dessas num restaurante fino em São Paulo, ou lá mesmo na Amazônia, o que estimularia o turismo gastronômico. Mas o fato é que um modelo desses – baseado numa exploração sustentável e inteligente de mil produtos, em vez da velha tradição monocultora que moldou a história brasileira –, é potencialmente muito mais rentável.

  5. reynaldo moreira disse:

    Tomara que essa exploração sustentável se torne uma regra pelo menos na Amazônia, Denis, e não uma louvável exceção, como tem sido até agora. E tomara que tenhamos tempo para ao menos tentar esse modelo antes que a Amazônia seja tomada pelos rebanhos fantasmagóricos. Aquele jornalista da reportagem sobre o salão de beleza para crianças de Beirute é o Buñel, do programa Zonas de Guerra, exibido na National Geographic. Aproveito para falar de uma experiência incrível mostrada no Globo Rural. Índios do Xingu coletam sementes da floresta para o Instituto Sócio Ambiental que as vende para fazendeiros da região reflorestarem áreas de nascente e matas ciliares degradadas ao longo das cabeceiras do grande rio. O pessoal do ISA inventou um modo de plantar essas sementes com tratores acoplados a uma semeadora, para acelerar o processo que seria, caso contrário, muito custoso. Fazem uma mistura de sementes com terra, adubo e iscas para formiga e põem tudo no maquinário: um tipo de feijão que cresce primeiro fazendo sombra para árvores de crescimento mais rápido que fazem sombra para as mais lentas, tentando similar o máximo possível as condições da floresta. Também plantam árvores de tamarindo porque as saúvas gostam delas e vão comendo estas enquanto as outras se fortalecem o bastante para serem desfolhadas sem prejuizo. Em pouco tempo há um solo verdejando lindo de se ver. As primeiras experiências parecem promissoras e uma nova geração de fazendeiros parece estar compreendendo a cagada que seus pais fizeram. Resta saber se não são casos isolados, o que não fica claro na reportagem. Globo Rural, raro exemplo de bom jornalismo, que alia rigor científico e atmosfera poética. Não raro me faz chorar. Sim, o intelectual pretensioso, mal disfarçado tirano de esquerda, versa lágrimas ao ver a história bem contada de soluções pragmáticas para o desastre ambiental!

  6. denis rb disse:

    Valeu pela dica do repórter, reynaldo, vou procurar.
    Ótima a história que vc conta. Não tenho dúvidas que esse modelo de produção ainda é exceção (assim como todas as experiências sustentáveis no mundo). Mas é essa mesmo a lógica: inventar um novo sistema de produção não deve acontecer de uma hora para outra, substituindo um pelo outro de uma vez. Isso é receita para o desastre. Para fazer um sistema complexo nascer, o primeiro passo é testar o modelo em escala minúscula, com muita liberdade criativa. Aí, como na evolução, só os melhores modelos vão sobrevivendo. Quando eles forem viáveis, é hora do estado entrar no jogo, forçando a mudança sistêmica.

  7. reynaldo moreira disse:

    Denis, a questão é saber se temos tempo para ir acumulando esses testes até cair a ficha em termos macro-econômicos. A cada experiência arduamente testada para preservar a Amazônia, por exemplo, você sabe, corresponde algumas milhares de ações “espontâneas” em contrário, e o ritmo de destruição pode diminuir, mas não pára. Parece que concordamos que uma mudança de sistema é necessária, não dá mais para sustentar bilhões de burguesas levando seu cãozinho para o veterinário ou buscando a criança entediada na escola na caminhonete 4X4 que está ficando neurótica de nunca encarar uma estradinha barrenta. Um único fazendeiro não pode causar impacto sobre milhares de quilômetros quadrados do cerrado, considerando que há outras centenas de outros empreendedores com o mesmo objetivo e dispostos a tudo. Precisamos de inventar, rapidamente, outro modo de produzir e consumir. É claro que não podemos deixar essa tarefa na mão de psicopatas como Stalin ou de imbecis arrogantes como Hugo Chavez. Mas acredito que em breve vamos esbarrar nos limites do mundo natural. Essa mudança radical já é uma necessidade humana, mas poucos percebem. Em breve, será uma necessidade material, não há planeta suficiente para tanta gente ávida por lucro, acumulação de capital, consumo desvairado que gera montanhas de lixo diariamente, etc. As maiores cidades norte-americanas, como Chicago e Nova York, já estão precisando levar seu lixo a distâncias enormes, duzentos, trezentos quilômetros. O beco é sem saída. As palavras, os bons exemplos não vão convencer a maioria. Quem sabe não os convencerá a carência, o desastre?

  8. denis rb disse:

    reynaldo,
    Quanto a não haver tempo para testes: não importa, o único jeito de fazer a mudança é aos poucos, experimentando, tijolo por tijolo. A urgência existe, isso é fato, ainda mais com a aceleracão das mudanças climáticas, mas o único jeito de reformar sistemas complexos é através de uma profusão de pequenos protótipos. Óbvio que isso significa que mais destruição vai acontecer antes de aparecer uma solução. Paciência. Assim é a vida. Querer inventar um novo sistema inteiro para substituir o antigo certamente não funciona. É aí aliás que está o principal erro dos países comunistas do século 20. Não dá para montar de uma hora para outra um sistema complexo, que governe toda a sociedade. Essas coisas só podem ser construídas pelo tempo, pelo acúmulo de experiências e paixões humanas. Querer tirar um novo sistema da cartola é a fórmula incontornável para um governo autoritário, frustrado pela distância entre o que o mundo é e o que ele gostaria que fosse.

  9. Tia Ví disse:

    Oi, reynaldo Moreira.
    Muito bom e preciso seus comentários, esse último me faz refletir sobre o post que o Dennis postou LIXO A TERCEIRA FRONTEIRA. A solução é reciclar sempre, consumir menos e cuidar mais do que ja possui em casa.
    Abços…

  10. jorji disse:

    Reynaldo, será que Cristo não dá uma ajudazinha?

  11. Marcelo Azevedo disse:

    jorji, se a humanidade não se ajudar, Cristo não vai fazer nada sozinho…

  12. camilla giometti disse:

    Incrivel Mestre Manuel!!!!pois eh Denis, penso tb que é bom deixar aquela potencia quietinha para poucos buscadores de novas experiencias, vc ja pensou se cair na moda as sauvas de la???bj grande. Camilla.

  13. Diego disse:

    Denis,
    Lendo o seu texto, mais uma vez muito bom, e os comentários, não pude deixar de pensar no que leva a “estarmos sistematicamente queimando tudo para colocar pasto no lugar”.
    Tenho minhas idéias mas gostaria de saber sua opinião e dos outros “comentaristas” sobre como nossos hábitos alimentares, principalmente os carnívoros, favorecem o fim da amazônia e outros males.
    En passant: ?você come carne?
    Abraços,
    Diego BH

  14. reynaldo moreira disse:

    Denis, prometi a mim mesmo que vou ter nesses comentários uma postura mais colaboradora, sem contudo abdicar do conhecimento que adquiri de forma árdua e que nunca deixo de submeter à prova da realidade. Creio que o tempo está contra nós e minha única esperança é que, com o esgotamento e a crescente competição pelos recursos naturais, o sistema entre num impasse: ou muda radicalmente ou implode. Algumas rachaduras já são visíveis, logo começarão os desmoronamentos. Não, não estou apostando na catástrofe, estou fazendo uma constatação dolorosa. Não tenho nenhum prazer em fazer isto e espero, de todo coração, estar errado.
    Insisto apenas numa questão: é preciso fazer uma diferenciação entre o conhecimento em ciências humanas, que tem no marxismo um de seus fundamentos modernos (Marx e seus seguidores continuam sendo estudados e refinados nos quatro cantos do planeta, incluindo nos EUA) e o que foi posto em prática pelos homens do poder, estes bostinhas que sempre se baseiam nas melhores idéias para seu propósito invariavelmente baixo astral de controle e dominação (pode ser a Bíblia, o Alcorão, o Manifesto Comunista, A Arte do Arqueiro Zen, pouco importa, sempre acham uma justificativa “racional” para cometer atrocidades, como um machista acha para, por exemplo, para espancar sua querida esposa). Sugiro ao leitor desses comentários que não se deixe enganar por informações de segunda mão, vá às fontes e compare: esta ou aquela teoria ilumina, no todo ou em parte, os processos profundos que regem nossa vida econômica e social? Por que a leitura de Marx pode ser importante (e, claro, não apenas a leitura de Marx) para que entendemos o fenômeno Paris Hilton, por exemplo, essa bonequinha de plástico que, por um milagre, pode se transformar numa cerveja? Porque é impossível surgir entre índios e caboclos um tipo humano assim tão artificializado? Porque a sociedade capitalista está se artificializando? Os confortos tecnológicos são um objetivo em si? Não trazem implícita uma armadilha? Vamos perguntar, gente, e vamos buscar respostas no diálogo com os livros, direto na fonte, seja quais forem suas tendências ditas “ideológicas”. Caracterizar, invariavelmente, o marxismo de ideológico, acaso não pode ser uma estratégia dos donos do poder de afastar você, leitor, desse campo do conhecimento? Vá às fontes, leia, compare com a realidade, não se deixe levar por rótulos de fácil digestão, tipo: “o comunismo deu errado”. Quem disse que na União Soviética e na China um dia se viveu, de fato, o comunismo? Então, como podemos, de forma complexa, caracterizar o que ocorreu e ocorre por lá? Os Botocudos ganharam esse nome dos invasores portugueses porque usavam “botoques”, nome dado à tampa dos barris de madeira, semelhantes ao enfeite labial usado por aqueles índios. Eles mesmos se davam os mais diversos nomes, conforme a horda, Cramemoans, NaqueNuque, Crenaques, etc. Porque cargas d’água o leitor, sabendo disso, continuaria denominando essa tribo, de modo genérica, de Botocudos?

  15. denis rb disse:

    Para mim a questão central é uma só:
    Não se institui um novo sistema de cima para baixo, de uma hora para outro. Foi o que todos os governos comunistas tentaram fazer. Sistemas complexos precisam nascer organicamente. O único jeito de criar um novo sistema complexo é começar em pequena escala e ir livrando-se do que não funciona e aprimorando o que funciona à medida em que o sistema ganha escala. Chega de soluções “de gabinete” – é na rua que as respostas estão.

  16. reynaldo moreira disse:

    Só fiz uma proposta de estudo, ou seja, de diálogo com as ciências humanas, em especial com uma das correntes que a fundamentam a partir do século XIX. Nem todos os pensadores são “de gabinete”. Eu, por exemplo, posso garantir, não sou um deles. Em minha especialidade, eu vou a campo e converso muito com as pessoas. As conclusões a que chego são o resultado do que leio e do que resulta dessas conversas. Posso estar equivocado em muitas questões, e certamente estou, mas não vivo entrincheirado e conheço muitos outros pensadores que são como eu. E apesar de minha advertência, Denis, você continua chamando Cramemoans, NaqueNuques e Crenaques pelo nome genérico dados pelos conquistadores, os donos do poder da época, o nome feio de Botocudos. Volto a advertir ao leitor para que não se oriente por informações de segunda mão, para que vá às fontes e tome cuidado com um preconceito muito em voga contra os ditos “intelectuais”. Prefiro a palavra “pensador”, alguém que busca ajuda nos livros, nas universidades, nas ruas, nos campos, etc., para se orientar em relação ao que fazer diante uma realidade complexa. Acredito numa troca constante entre a teoria e a prática. E muitos livros têm e tiveram um grande impacto sobre a realidade. Antes de Marx e dos marxistas, nas indústrias européias do século XIX existiam jornadas de dezoito horas ou mais de trabalho, condições de trabalho perigosas e insalubres, crianças sendo trituradas por máquinas texteis. Foram obras como O Capital que estimularam a criação de sindicatos e outras entidades coletivas que, aos poucos, e com muita luta, depois de muita repressão, muita morte, forçaram o surgimento das primeiras leis trabalhistas e a gradativa melhoria das condições salariais e de trabalho. Um dos componentes essenciais das sociedades ditas “democráticas” é o sindicato de trabalhadores atuante e ele com certeza deverá participar desse diálogo que inclui as “ruas” no sentido de “criar complexos de forma orgânica”. Porque se fala tão pouco dele nessas páginas? Alguma vez ele foi lembrado aqui como coadjuvante nessa luta para “criar um novo sistema”?

  17. denis rb disse:

    Não estou criticando os pensadores marxistas nem chamando NaqueNuques de botocudos, reynaldo. Estou criticando os políticos e os revolucionários que tentaram implantar sistemas complexos de uma hora para outra, de cima para baixo. Todos os países que se autodenominavam comunistas cometeram esse erro, mas não só eles: é um erro comum nessa nossa era de aumento repentino da complexidade.

  18. jorji disse:

    Denis, respeito sua opinião, mas o comunismo já nasceu morto. Todos os sistemas no mundo sempre foram impostos de cima para baixo, ainda são, duvido que mude.

  19. denis rb disse:

    Isso é uma ilusão tipicamente brasileira: achar que o estado manda em você. Óbvio que não manda, ele só acha que manda. E, aqui no Brasil, tem gente que acredita.

  20. reynaldo moreira disse:

    Bom, melhorou: os “governos comunistas” (12:28) se tornaram os “países que se autodenominavam comunistas” (14:59). Estamos progredindo. Agora você deve saber, Denis, como um cara bem informado que é, que nos escritos de Marx e de seus seguidores não existe uma só linha descrevendo em detalhes como deveria ser a sociedade comunista, dando margem à imposição de um sistema pronto, de cima para baixo. Isso é obra de panacas arrogantes como Stalin e Hugo Chaves que se serviram desses estudos profundos e complexos para seus propósitos muito monótonos de dominação. A tese marxista era de que a história humana tinha um motor que seria a contradição entre as forças produtivas e o modo de produção. Houve um tempo em que o modo de produção feudal representou um impasse às forças produtivas burguesas em expansão e esse confronto gerou as revoluções burguesas, nos séculos XVIII e XIX e originou as repúblicas modernas. Assim, em virtude dessa suposta lei, o mesmo ocorreria com o operariado em relação ao modo de produção burguês no sentido de gerar o sistema comunista. ESSA TESE SE MOSTROU EQUIVOCADA: surgiram as classes médias, o proletariado se emburguesou, o estado burguês fez concessões que aplacaram a luta de classes, etc. Correto, o século XX avançou, o mundo se tornou muito mais complexo e não cabia mais em esquema tão simplificado. Mas esse equívoco não invalidou no todo o diagnóstico que as ciências sociais (que tem o marxismo como um dos seus fundamentos modernos) fizeram e fazem do sistema capitalista: exploração do homem pelo homem, coisificação das relações humanas, exaustão dos recursos naturais, concentração de renda, etc. É bom lembrar que hoje as maiores duzentas fortunas dos EUA concentram o mesmo capital que cinquenta por cento da população daquele país, mais de cem milhões de pessoas, e não era assim até a década de 1980. O problema se agrava por uma característica intrínseca ao sistema, a concentração de capital, com graves consequências para o funcionamento da precária democracia formal, no fundo, hoje, uma autocracia financeira. Um dos motivos da crise de 2008 e do acidente com a plataforma no Golfo do México é o fato de que a era Bush relaxou por completo o controle dos grandes capitais. Qualquer funcionário do setor de licitações de um órgão público deve seguir regras rígidas para comprar um parafuso. Porém, trilhões de dólares são dados de mão beijada à elite financeira para corrigir suas cagadas sem a menor justificativa, sem a menor garantia de retorno. Daí o cidadão deve se perguntar: vivemos mesmo numa “democracia”? Todos são unânimes em chamar os conflitos recentes nos países árabes do temeroso nome de revolução. Mas o termo não se aplica aos conflitos que ocorrem na Grécia contra a ditadura dos “mercados”. Porque, cidadão, porque? Pois bem, tudo o que eu estou propondo é que o leitor um pouco mais esperto que o Jorji experimente dialogar com as ciências humanas. É assim: você vai à teoria, depois a utiliza como um aparato para tentar entender alguns dos fenômenos que presencia todos os dias na rua (por exemplo, os desempregados ou exército de mão de obra de reserva, o povo de rua, os trabalhadores da indústria e dos serviços, os camponeses num contexto de avanço da sociedade envolvente, os altos executivos cheiradores de pó que jogam no cassino da especulação financeira, etc.), nesse confronto você tenta perceber o que está correto ou não, o que deve ser descartado ou não na teoria. Nos livros mesmo você pode observar esse mergulho feito por outros. Há pouco passei os olhos sobre uma tese sobre os trabalhadores em telemarketing do centro de São Paulo. Nessa tese de antropologia urbana o leitor, se quiser, pode tentar entrar nesse mundo através dos olhos do autor. Dei um exemplo de equívoco da teoria marxista. Acho bom desconfiar de quem recusa essa teoria em bloco, pode haver aí um medo muito humano mas racionalizado atrás de idéias simplórias como “o comunismo já nasceu morto”. Cuidado com as informações de segunda mão. E cuidado com a idéia de que todo intelectual é um nerd de óculos fundo de garrafa distanciado do mundo. Acredite no diálogo entre a teoria e a prática, aliás, esse é um dos pilares do marxismo.

  21. Felipe disse:

    Fora os blablas blas dos comentaristas, adorei ter entrado hoje aqui. E fico loco com gente que não entende sua visão do mundo. Os coitados estão cegos!!! Não entendem que as melhores coisas do mundo estão nas questões mais simples, em nossos pés, e fingimos não olhar. Triste!

  22. Acho que não vamos saber de todos os mistérios, mas de alguns tantos. O bastante para nos arrependermos do que não poderemos mais descobrir por que se foi.

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