A internet da eletricidade

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Imagine se o mercado de energia funcionasse assim:

Você vai às Casas Bahia e compra um kit de energia solar ou eólica. Instala o dito cujo no telhado, seguindo o manual de instruções, pluga na tomada e, com o celular ou o computador, controla a produção de energia em casa. Quando seu gasto de energia for maior do que a produção, você recebe uma conta em casa. Mas, quando a produção superar o consumo, algo incrível acontece: chega um cheque pelo correio.

Não seria sensacional?

Seria, claro. Mas o jeito como os Estados Unidos estão incorporando energias limpas ao seu sistema é bem diferente disso. Por lá, eles estão substituindo carvão queimado por energia eólica e solar, o que é bom, mas de uma maneira que não muda a relação entre os produtores e os consumidores de energia. Você conhece o modelo: usinas gigantescas produzindo energia, postes monumentais transportando essa energia por milhares e milhares de quilômetros. Quem quiser pode instalar seu painel solar no telhado, mas o sonho de mandar essa energia para a rede e faturar uns trocadinhos com isso continua bem longe da realidade.

Uma reportagem bem interessante que a revista Fast Company publicou na sua edição de julho/agosto tenta entender por que é tão difícil mudar o jeito de pensar. A resposta a essa pergunta pode ser resumida numa palavra só: grana. Há muitos interesses milionários para evitar que o poder de produzir energia seja descentralizado. As empresas de energia, obviamente, não estão interessadas em ver seu mercado evaporar. E estão lobiando desesperadamente para evitar a mudança.

A revista chama o novo sistema de “microgrid”, em oposição ao tradicional “macrogrid”. A diferença entre os dois parece com a diferença entre a televisão (uma enorme infraestrutura de mão única levando informação do centro para as bordas) e a internet (uma teia gigantesca que não tem centro – todo mundo produz e consome ao mesmo tempo).

Produção centralizada de energia: essa não é a solução

Produção centralizada de energia: essa não é a solução. Melhor seria um desses em cada telhado.

Assim como a internet deu origem a uma avalanche de empreendedorismo pelo mundo, a ponto de algumas das maiores empresas do planeta hoje terem nascido lá dentro, essa mudança poderia iniciar uma nova era de dinamismo no setor de energia. Qualquer um de nós poderia ajudar a resolver a crise de energia – e ganhar dinheiro com isso. Haveria um surto de inovação, com gente mundo afora tentando desenvolver cataventos e placas solares mais eficientes, novas fontes de energia e de transmissão. Hoje não há incentivo para inovações nesse sentido: numa indústria em que, quanto mais energia for desperdiçada, mais cara é sua conta, para que eles vão querer que você economize?

Mas, se há fortíssimos interesses contrários ao microgrid, começa a haver também interesses a favor. Duas empresas poderosas estão apostando na ideia: a GE e a IBM. A primeira quer fabricar kits de produção de energia, a segunda quer virar referência em sistemas digitais para gerenciar a compra e venda de energia. Isso é bom sinal. Nenhuma boa causa tem chance de virar realidade sem um aliado rico apostando nela.

18 comentários
  1. Juca disse:

    D.
    Sei que em Portugal isso já é uma realidade. Um colega meu lusitano que mora no Algarve me contou que estava instalando em sua casa painéis solares para produção de energia. Pelo que me contou, a energia que não é aproveitada pela casa é repassada ao sistema e, com isso, a instalação dos tais painéis (que não é barata) se paga em cinco anos (somando a economia em casa e o que se vende ao sistema).

  2. #42 disse:

    Verdade… as possibilidades são grandes, mas as possibilidades das grandes empresas barrarem esse tipo de projeto também.

  3. Marcelo disse:

    Adorei, na verdade estava esperando que alguém na mídia falasse sobre a produção caseira de energia, imaginava que as coisas poderiam ser assim mesmo como descreveu, mas nunca havia visto esta idéia tão genial (e tão simples) sendo defendida em lugar algum. Se soubesse onde se vende um kit de produção de energia destes (por um preço acessível) o compraria imediatamente. Já existe alguma empresa no Brasil que os produza?

  4. Silvia disse:

    Denis, acho que o grande encanto e problema da sustentabilidade é esse: as soluções são simples, massss… O poder por trás de toda a estrutura existente é grande, o que dificulta que mudanças ocorram.

    É uma pena. Espero viver para ver uma mudança verdadeira de mentalidade.

  5. Anouk disse:

    Oi Denis,

    Tomara que os Estados Unidos nao desistam da idéia. Se derem a largada, o mundo vai querer acompanhar.

    Estaria sendo otimista?

  6. André Menck disse:

    Denis, sei há um sistema desse tipo (microgrid) funcionando na Alemanha. Andei pela zona rural de lá e 100% das edificações (casas,galpões, etc) são cobertos de células fotoelétricas. Imagino que haja algum subsídio (por exemplo, energia limpa é vendida pela fazenda por valor maior que a energia suja, vinda da macrogrid, gerada em alguma usina a petróleo ou carvão). Seria bom saber os detalhes econômicos da solução alemã.
    Quem sabe a maior geração de energia solar nos trópicos já não compense a falta de subsídio no Brasil?

  7. Vana Allas disse:

    O alto custo para se investir em energias limpas realmente é o grande fator de atraso, como afirma o autor do post Denis Russo Burgierman.
    O recém-lançado
    http://odesafiodasmegacidades.com.br/
    tem informações e pesquisas relevantes, sobre o assunto.
    Vale a pena fazer uma visita neste novo blog que aborda estudo realizado pelas consultorias GlobeScan e MRC McLean Hazel em 25 metrópoles.

  8. Fabio Vasconcelos disse:

    Oi gente, aqui na Australia o sistema e assim tambem. O interessante e que no estado aonde moro, South Australia, ha pelo menos uma cidade (http://en.wikipedia.org/wiki/Coober_Pedy,_South_Australia) aonde a maioria das casas fica no subterraneo ou escavadas nas cavernas por conta da temperatura e clima desertico.

    Em uma casa dessas, o consumo de energia e minimo comparado a uma casa de superficie pois nao ha tanta necessidade de resfriamento, havendo portanto a possibilidade de que as casas sejam fornecedoras de energia sempre. Fantastico, certo?

    Abracos direto do Down Under,
    Fabio

  9. newton disse:

    Existe uma empresa no Brasil, pelo que eu saiba, é a única que detém a tecnologia de fusão do silício, é a Heliodinamica, pode ser encontrada na internet. Tenho uma placa solar, é muito boa. Infelizmente para a produção doméstica os custos são altos, e o problema é a manutenção de baterias.

  10. daszoropa disse:

    Aqui na Europa podemos comprar kits de energia solar em lojas como LeroyMerlin a um preço razoável, no Brasil é impossível. Você finalmente respondeu a minha dúvida sobre porque não há incentivos para que possamos usar essa forma de energia limpa e barata (?, não no Brasil). Fica a sugestão: através de seu blog, um abaixo assinado pedindo aos candidatos a presidência, Congresso, etc, que retirem toda carga tributária desse tipo de tecnologia. Simples e sem custo ao poder público, que deixa de arrecadar mas economiza ao diminuir investimentos em infra-estrutura na área de energia elétrica.
    Abraço!

  11. Chesterton disse:

    Existem nos EUA sistemas de energia alternativa que são remunerados quando doam energia para a rede principal, sim senhor. O problema é o custo de implantar um relé (metafórico) para controlar isso tudo.

  12. Carolina Derivi disse:

    Excelente post Denis! A comparação da internet com o microgrid explica tudo…

  13. denis rb disse:

    Existem sim, Chesterton, mas são bastante restritos.

  14. Chesterton disse:

    porque caros e economicamente inviáveis.

  15. denis rb disse:

    Tudo é caro e economicamente inviável até que surja um mercado. Ainda não há um mercado para energia caseira, e interessa a muita gente que não haja.

  16. PAULO CESAR BASTOS disse:

    Existe um ditado popular, “vive sentado numa pedra de ouro e não sabe.”.Tal dito se aplica à enorme potencialidade , ainda não devidamente explorada, do semiárido do Nordeste Brasileiro.
    O intenso Sol nordestino não pode ser considerado um vilão, na verdade é nosso irmão.
    O potencial energético do Nordeste, com forte radiação solar próximo à vertical, é um fato extraordinário e um mais um presente da natureza ao Brasil e aos brasileiros.
    Enganos e/ou propósitos maldosos procuram perpetuar a inviabilidade do semiárido brasileiro.Esquecem e/ou fomentam a desinformação sobre a imensa riqueza da árida Califórnia – o mais rico estado americano- ou dos avanços tecnológicos de Israel no trato das questões do árido e do semiárido.
    Torna-se necessário , no momento em que se fala cada vez mais em fontes de energia limpa e renovável ,aproveitar a oportunidade natural oferecida pelo Nordeste para produzir energia solar e,também, energia eólica.
    Para isso é preciso mais ação e menos locução.Colocar a prática no contexto e aproveitar o que já existe de texto.Tirar das prateleiras,estantes e memórias dos computadores das instituições de ensino e pesquisa , os estudos , as pesquisas e coloca-las para o uso cotidiano, na produção e a serviço da sociedade.
    Inovação pragmática é riqueza automática.Só falta compreender e empreender.

  17. Breno Nunes disse:

    Alguns dados e informações interessantes sobre o tema de energia:

    http://www2.thetoptips.com.br/2009/10/16/dados-sobre-consumo-de-energia-no-mundo/

    http://www2.thetoptips.com.br/2009/10/16/dados-sobre-geracao-de-energia-alternativa/

    http://www2.thetoptips.com.br/2009/10/16/professor-de-cambridge-lanca-e-book-gratis-sobre-energia-sustentavel/

    Acho interessante quantificar essas idéias para as pessoas terem noção do que vão comprar. Caso contrário, vão matar uma solução tecnológica em seu nascimento – momento mais crítico de sua vida.

    Abraços,
    Breno

  18. Alisson Francisco disse:

    É bom levar em consideração também se compensariam os lucros em relação aos custos e à qualidade da energia. Aparentemente isso é viável, embora não se saiba ao certo os gastos com manutenção do sistema, tendo em vista que o controle de qualidade dos produtos e serviços, no Brasil, é altamente deficitário. Os órgãos de defesa do consumidor que o digam.
    Outra coisa é a questão tributária em relação a isso. Dever-se-ia repensar, por exemplo, a questão da tributação obrigatória do serviço de energia, como a taxa de iluminação pública. Mas o mais importante quanto a isso é a necessidade de incentivos fiscais para a fabricação e comercialização de produtos geradores de energia ecologicamente sustentáveis, tais como a oriunda dos raios solares. Outrossim, é importante observar a questão da energia produzida através da força do vento. Nesse caso, é necessário legislação que proteja os interesses dos vizinhos, tendo em vista o barulho que tais máquinas podem gerar. O interesse público deve sempre ser levado em consideração.
    Além disso, é importante a produção (e ao menos a disponibilidade) de energia por domicílio para o caso de emergências nacionais (como no caso de guerras ou desastres naturais). Embora o Brasil não seja suficientemente preparado para tais eventos, deve estar atento. Aliás, diga-se de passagem, essa independência comprada, financiada, está custando a vulnerabilidade dos cidadãos diante de criminosos armados e um Estado completamente ineficaz [polícia despreparada e em número insuficiente, além de cadeias que não cumprem os limites da lei (superlotação, por ex.)] para conter a onda sempre crescente de violência.

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