Tem um erro importante no texto abaixo. Escrevi que os sabonetes antibacterianos contêm antibiótico. Na realidade, eles contêm triclosan, que é um “biocida”, ou “antibacteriano”. Há mil dúvidas sobre a definição de “antibiótico”. Em latim, antibiótico é “aquele que é contra a vida”, enquanto “biocida” é “o que mata a vida” – ou seja, os dois termos significam mais ou menos a mesma coisa. Mas antibióticos são produzidos por outros seres vivos para se proteger de ataques (a penicilina, por exemplo, é produzida por um fungo). E esse não é o caso do triclosan, que é um veneno químico. Há sim muita polêmica sobre a adequação de se usar sabonetes com biocidas. Há também suspeitas de que bactérias desenvolvam resistência a biocidas e se aventa a possibilidade de que o uso de biocidas gere resistência a antibióticos que ajam de maneira semelhante. Mas essas suspeitas não estão resolvidas – não há provas definitivas de que bactérias desenvolvam resistência a esse tipo de substância (um assunto que está resolvido em relação aos antibióticos).
Peço desculpas pelo erro, mas mantenho o raciocínio central, que continuo achando válido. Continuo achando que só quem realmente tem motivos sérios para se preocupar com contaminação com bactérias deveria usar esse tipo de sabonete (catadores de lixo ou enfermeiras, por exemplo). Continuo achando que essa história é simbólica do tempo em que vivemos e da forma esquisita como lidamos com a natureza e o consumo. Obrigado às pessoas que me avisaram do erro.
A cena é bucólica. Uma menininha cata lixo numa corredeira ao pôr-do-sol. A mãe, encantada, comenta:
“Minha filha está participando de um movimento ecológico para cuidar do meio ambiente. Eu me encho de orgulho, mas também me preocupo, porque ela fica exposta a muitas bactérias.”
A natureza é linda, mas suja. Ainda bem que a indústria farmacêutica está atenta, nos protegendo dos inimigos invisíveis. A propaganda traz a solução: o médico da mãe recomendou um novo sabonete, que elimina 99,9% das bactérias. Na cena, a menininha se molha num riacho cristalino, supostamente depois de se ensaboar com o tal sabonete antibiótico.
O que o comercial não discute é o destino de 0,1% das bactérias – aquelas que não morrem envenenadas pelo sabonete. Essas sobrevivem e se multiplicam velozmente, como é de hábito entre bactérias. O que salva a vida delas é que elas carregam genes que produzem substâncias resistentes ao antibiótico do sabonete. Ao se reproduzirem, suas descendentes também carregarão esses genes. Ou seja, em questão de dias, a mão da menininha estará coberta de bactérias que não morrem com aquele tal antibiótico. E não só a mão dela: o riacho onde ela se lavou também, carregando bactérias resistentes e antibiótico para a próxima família feliz.
A propaganda segue a tradicional estratégia da publicidade de aproveitar-se dos medos e desejos humanos para criar um impulso irresistível de comprar. Como resistir à ideia de que nossos anjinhos inocentes estão à mercê de bactérias brutais? Para reforçar a mensagem, o comercial dá números, que passam uma sensação de confiança: algo que mata 99,9% das bactérias só pode ser bom, certo? Acontece que esse número não poderia ser pior. Quanto mais perto dos 100% sem chegar a ele, mais eficaz será o processo de seleção natural rumo a uma superbactéria.
Produtos como o sabonete com antibiótico são bem típicos dos nossos tempos. Vivemos o fim de uma era, na qual tínhamos a ilusão de que eventualmente teríamos total domínio sobre 100% da natureza. Tudo um dia seria padronizado, uniforme, homogêneo. Aquilo que é útil na natureza seria engarrafado e produzido em massa. O que é inútil seria exterminado com o sabão certo.
O sabonete com antibiótico vende uma falsa sensação de segurança ao custo de tornar o mundo inteiro efetivamente mais inseguro. Para que a mamãe da propaganda durma tranquila achando que sua loira filhinha está protegida das cruéis bactérias, cada um de nós neste mundo temos que lidar com a realidade concreta de que há por aí bactérias letais resistentes a tudo. Em troca de um falso benefício individual, temos que lidar com um dano coletivo concreto.
Ainda assim, sabonetes como esse estão à venda e são meigamente anunciados em comerciais de TV, travestidos de “ambientalmente corretos”. Remédios que causam efeitos colaterais ao indivíduo são rigidamente regulados por agências e sua venda é limitada. Mas produtos que causam efeitos colaterais à sociedade toda, como os carros, não.
Em parte, isso se explica por uma questão técnica. A “sociedade toda” é um sistema gigante e complexo. Não é fácil saber como um fator afeta esse sistema. Não dá para fazer “testes clínicos”, como se faz com medicamentos em indivíduos, dando doses controladas a algumas pessoas e observando atentamente os efeitos.
Por isso, é difícil controlar a comercialização e a propaganda de produtos maléficos como o tal sabonete. Pelo menos enquanto não avançamos no estudo de sistemas complexos. O que resta, então, é difundir informação sobre esses produtos para que as pessoas possam pelo menos tomar decisões mais bem informadas e não cair na pegadinha da publicidade.