Você deve saber que, daqui a três semanas, vai começar em Copenhague, capital da Dinamarca, uma convenção internacional sobre mudanças climáticas. Você provavelmente sabe também que o Brasil decidiu se comprometer a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em quase 40% até 2020 (comparando com a tendência atual). E, se você leu as notícias hoje, é provável que saiba também que Obama e seus colegas chefes de estado avisaram que a convenção de Copenhague não produzirá atitudes concretas, apenas cartas de compromisso.
Mas acho bem possível que você não saiba muito bem o que tudo isso significa.
Isso não é surpreendente. O assunto é realmente complexo. Envolve a compreensão do clima, que é um sistema caótico. Envolve a diplomacia mundial, que é o reino das intenções inconfessáveis escondidas atrás de palavras bonitas. Envolve uma compreensível revolta do status quo, tentando preservar seus privilégios em meio à turbulência de um mundo que obviamente precisa mudar de modelo. Envolve desafios a todas as áreas do conhecimento humano – das ciências naturais às econômicas, do desenho das estruturas de poder globais à atividade econômica em cada pequena comunidade humana do mundo.
Mas, no meio dessa imensa confusão, há algumas coisas que são simples de entender. E, se entendermos essas coisas, fica bem mais fácil acompanhar o resto do debate. É o seguinte:
1. Esta primeira eu nem deveria ter que dizer, mas não custa nada repetir: está mais do que claro para qualquer pessoa cujas capacidades cognitivas permitam a leitura de um gráfixo simples de dois eixos que as mudanças climáticas causadas por atividades humanas são um fato além de qualquer dúvida. Também não há dúvidas de que isso é má notícia: coisas terríveis irão acontecer no mundo inteiro, incluindo um monte de mortes, talvez em lugares muito próximos de você, a não ser que consigamos evitar que a temperatura suba mais do que 2 graus Celsius.
2. Aí você pergunta: e como é que eles sabem disso com tanta precisão? Se o assunto é tão complexo, como é que eles sabem que o número mágico é 2oC, e não 2,1 ou 1, 9? E como eles sabem quanto carbono teríamos que emitir para um aumento de 2oC? No que você tem razão: eles não sabem disso com precisão. Nosso nível de certeza é baixo – algo entre 40% e 60%. Mas, como disse Tasso Azevedo, do Ministério do Meio Ambiente, “não sei você, mas, se me dizem que meu avião tem entre 40% e 60% de chances de cair, eu não fico muito aliviado”. O número é uma combinação de milhões e milhões de números, no geral cada um deles não muito confiável. Ele é resultado de cálculos científicos realizados por seres humanos falíveis, e é enormemente influenciado por interesses políticos e financeiros (geralmente interesses ligados ao status quo). Enfim, ele não é preciso. Pode ser que o monte comece a feder quando a temperatura subir 1 grau, ou quando subir 3. Pode ser que os urubus se interessem mais pela gente no ano que vem, ou daqui a 10 anos, ou daqui a 40. Pode ser que já seja tarde demais hoje. Mas, com ou sem precisão nos números, quem diz “não há certeza sobre a temperatura exata na qual as mudanças climáticas se tornarão desastrosas, então não deveríamos fazer nada para combatê-las” é como se dissesse “não sabemos ainda a quantos metros está o muro, nem sua espessura exata, por isso devemos continuar acelerando na direção dele”.
3. Em 2005, o mundo emitia algo como 45 gigatoneladas de carbono. Se queremos garantir que a temperatura global não suba mais do que 2oC, não podemos emitir mais do que 450 1800 gigatoneladas nos próximos 100 anos. Ou seja, se mantivermos o ritmo de hoje, a vaca vai pro brejo em só 10 20 anos (porque, pelas projeções atuais, estaremos emitindo 70 gigatoneladas por ano em 2030). Quanto antes começarmos a mudar, melhor. Se não mudarmos, lidar com os tufões, furacões, secas e epidemias vai sair bem mais caro. Por isso o anúncio de ontem de que Copenhague não produziria atitudes concretas é má notícia. Mas isso não apaga um fato: a mudança terá que ser feita. Se não for hoje, será amanhã – e quanto mais demorar maior será o monte de esterco para a gente cavar.
4. O Brasil é talvez o país do mundo que tem mais a ganhar com essa mudança. Somos grandes emissores de carbono, graças aos desmatamentos e queimadas. Temos a sorte imensa de contar com uma matriz energética bem limpa, baseada em álcool e hidrelétricas. Ou seja, para nós é fácil e barato cortar emissões, basta manter as florestas de pé – enquanto os países ricos e os outros emergentes terão que gastar uma baba mudando suas matrizes energéticas. Some a isso o fato de que o Brasil não precisa mesmo desmatar: o que já foi desmatado é mais que suficiente para termos um setor agropecuário dinâmico e líder do mercado mundial. O Brasil já está entre os maiores produtores de muitas commodities. Se as negociações que começam em Copenhague derem certo, uma nova commodity valiosa será inventada: o crédito de carbono. E nós vamos faturar uma nota nesse novo mercado.
5. Só que, se o Brasil quer mesmo se dar bem no mercado de créditos de carbono, vai ser necessário que os países cheguem a um acordo preciso, com números e metas claras. Se não há metas, ninguém vai tirar dinheiro do bolso, e nós perdemos. Por isso, interessa muito ao Brasil comprometer-se com números, como uma forma de pressionar o resto do mundo a fazer o mesmo. Nem todos os países do mundo vão conseguir cumprir suas metas de redução. Para o Brasil, provavelmente será mais fácil do que para os países desenvolvidos. Isso significa que os países desenvolvidos provavelmente terão que dar muita grana para que países como o Brasil reduzam as emissões de carbono por eles. Nesse cenário, quanto mais o Brasil reduzir suas próprias emissões por conta própria, mais dinheiro poderá ganhar reduzindo pelos outros. Esse foi o argumento que convenceu Dilma e Lula a prometerem uma redução de 36,1% a 38,9% até 2020: eles perceberam que o país tem muito a ganhar (Dilma e Lula não são exatamente ambientalistas).
Sacaram?
PS: o TEDx São Paulo, que aconteceu no sábado no Teatro da Moóca, foi de arrepiar. Muita coisa legal, apesar de ter começado com os maus auspícios deste que vos fala recitando bobagens. Com o tempo, as palestras vão sendo colocadas no ar, e eu dou os links.