Quando acontece uma calamidade, abre-se uma breve janela para que se mude as regras do jogo, tornando-as mais justas. Se essa oportunidade é perdida, os grupos de interesse se reorganizam, recuperam a confiança e aí é tarde demais para mudanças. Tudo continua como era. Uma calamidade aconteceu no sistema financeiro internacional no ano passado. E a revista Wired deste mês chegou ontem aqui em casa com uma proposta para aproveitar essa janela e reinventar os mercados.
Para resumir em uma palavra a ideia da revista: transparência.
Transparência radical e absoluta.
A análise da Wired é bem interessante. Segundo a revista, o que aconteceu nos últimos anos é que os bancos, munidos de supercomputadores e tripulados pelos mais talentosos gênios matemáticos do mundo, se transformaram em usinas de inovações. Enquanto isso, as agências reguladoras do governo tentavam entender o que estava acontecendo, mas com orçamento infinitamente menor, incapazes de atraírem os profissionais mais talentosos. Resultado: os bancos inventavam investimentos imensamente complexos que ninguém conseguia entender. Nem as pessoas responsáveis por regulá-los.
Desde que a crise começou, tem-se ouvido que a única saída é partir para uma era de mais regulação. A Wired discorda. Eles não acham que seja o caso de mais burocracia, mais leis, mais funcionários públicos, mais fiscais. Nada disso adiantaria: numa época de inovação constante, continuaríamos correndo atrás do rabo (ou mataríamos a inovação).
A receita deles é a seguinte: acabem-se os segredos. Todos eles.
A ideia é que qualquer pessoa no mundo tenha acesso online a todos os números de uma empresa – cada gasto, cada serviço, cada receita, cada centavo seria imediatamente computado num sistema simples e padronizado que ficaria aberto para quem quiser olhar, sem senha nem nada. Vendeu um produto no supermercado, piiii, no que ele passou pela máquina registradora o site é atualizado.
Hoje, nem mesmo os banqueiros sabem explicar seus investimentos. No mundo imaginado pela Wired, cada pessoa do mundo teria à sua disposição todos os dados necessários para entender cada negócio, de um jeito fácil de usar, atraente, organizado.
Logo depois que a crise de 29 afundou a economia do mundo, um juiz americano chamado Louis Brandeis escreveu uma frase que ficaria famosa: "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes. A luz elétrica é o mais eficiente policial". Brandeis ajudou o presidente Roosevelt a perceber que a única saída da crise era aumentar a transparência da economia. Funcionou.
A ideia da Wired, basicamente, é radicalizar esse conceito. Se luz elétrica é um policial, vamos distribuir lanternas para todo mundo. Assim, cada pessoa do planeta ajudará a zelar pela segurança do sistema.
Será que isso funciona? Não sei. Mas sei que, em Los Angeles, os restaurantes são obrigados por lei a pendurar na janela suas avaliações da vigilância sanitária. Desde que essa lei entrou em vigor, a higiene aumentou 5% na cidade. E os lucros dos restaurantes aumentaram 3%.