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Arquivo mensal: março 2009

Quando eu comecei a andar de bicicleta em São Paulo, era bem frequente algum motorista passar por mim e gritar, indignado: "sai da rua, maluco!"

E aí eu me encolhia, intimidado, às vezes subia na calçada, achando que eu estava fazendo alguma coisa errada. Afinal, a rua não é mesmo para bicicletas, ou para gente. A rua é dos carros: sempre foi assim, sempre será assim.

Só depois de anos pedalando fui me dando conta: a rua é tão minha quanto deles. Bicicletas não atrapalham o trânsito: bicicletas são trânsito. Aliás, se tem alguém atrapalhando o trânsito, são os carros, esses amontoados de lata se movendo paquidermicamente e entupindo as ruas. Nos meus tempos de San Francisco, virei até frequentador da Critical Mass, a invasão caótica mensal de centenas de bicicletas pela cidade, sempre sexta-feira às 6 da tarde, para desespero dos motoristas. Uns ficavam xingando. Eu respondia: você para o trânsito 29 dias por mês. Hoje – só hoje – é a minha vez.

Bom, isso dito, acho que fica fácil para você entender por que eu gostei tanto deste filme aí embaixo, feito em Barcelona, em 1908 – 5 anos depois de Henry Ford fundar sua empresa, mas antes de seus carros tomarem as ruas espanholas. O filme foi feito de cima de um bonde. Veja só como eram as cidades antes dos carros as invadirem. Bem mais divertidas, excitantes, alegres e agradáveis que as de hoje, não?

Portanto, me vingo e grito:

"Sai da rua, carro!"


Quando acontece uma calamidade, abre-se uma breve janela para que se mude as regras do jogo, tornando-as mais justas. Se essa oportunidade é perdida, os grupos de interesse se reorganizam, recuperam a confiança e aí é tarde demais para mudanças. Tudo continua como era. Uma calamidade aconteceu no sistema financeiro internacional no ano passado. E a revista Wired deste mês chegou ontem aqui em casa com uma proposta para aproveitar essa janela e reinventar os mercados.

Para resumir em uma palavra a ideia da revista: transparência.

Transparência radical e absoluta.

A análise da Wired é bem interessante. Segundo a revista, o que aconteceu nos últimos anos é que os bancos, munidos de supercomputadores e tripulados pelos mais talentosos gênios matemáticos do mundo, se transformaram em usinas de inovações. Enquanto isso, as agências reguladoras do governo tentavam entender o que estava acontecendo, mas com orçamento infinitamente menor, incapazes de atraírem os profissionais mais talentosos. Resultado: os bancos inventavam investimentos imensamente complexos que ninguém conseguia entender. Nem as pessoas responsáveis por regulá-los.

Desde que a crise começou, tem-se ouvido que a única saída é partir para uma era de mais regulação. A Wired discorda. Eles não acham que seja o caso de mais burocracia, mais leis, mais funcionários públicos, mais fiscais. Nada disso adiantaria: numa época de inovação constante, continuaríamos correndo atrás do rabo (ou mataríamos a inovação).

A receita deles é a seguinte: acabem-se os segredos. Todos eles.

A ideia é que qualquer pessoa no mundo tenha acesso online a todos os números de uma empresa – cada gasto, cada serviço, cada receita, cada centavo seria imediatamente computado num sistema simples e padronizado que ficaria aberto para quem quiser olhar, sem senha nem nada. Vendeu um produto no supermercado, piiii, no que ele passou pela máquina registradora o site é atualizado.

Hoje, nem mesmo os banqueiros sabem explicar seus investimentos. No mundo imaginado pela Wired, cada pessoa do mundo teria à sua disposição todos os dados necessários para entender cada negócio, de um jeito fácil de usar, atraente, organizado.

Logo depois que a crise de 29 afundou a economia do mundo, um juiz americano chamado Louis Brandeis escreveu uma frase que ficaria famosa: "a luz do sol é o melhor dos desinfetantes. A luz elétrica é o mais eficiente policial". Brandeis ajudou o presidente Roosevelt a perceber que a única saída da crise era aumentar a transparência da economia. Funcionou.

A ideia da Wired, basicamente, é radicalizar esse conceito. Se luz elétrica é um policial, vamos distribuir lanternas para todo mundo. Assim, cada pessoa do planeta ajudará a zelar pela segurança do sistema.

Será que isso funciona? Não sei. Mas sei que, em Los Angeles, os restaurantes são obrigados por lei a pendurar na janela suas avaliações da vigilância sanitária. Desde que essa lei entrou em vigor, a higiene aumentou 5% na cidade. E os lucros dos restaurantes aumentaram 3%.


Hoje, lá pelas 6 da tarde, recebi uma ligação de um "consultor de vendas" de uma empresa. Espero sinceramente que tenha sido a última ligação de um telemarketing que eu recebi na vida. Uma hora depois, coloquei meu telefone no cadastro do Procon de São Paulo de quem não quer receber mais esse tipo de ligação – a partir de 1 de maio quem me telefonar para tentar me tirar uns trocados está sujeito a multas de até 3 milhões de reais (não acho 3 milhões muito para quem arranca alguém da cama num sábado de manhã para oferecer telefone celular). Fazer o cadastro é fácil e rápido: é só ir a este site aqui, ó.

Agora é hora de espalhar essa lei civilizada pelo resto do Brasil.

A propósito: para fazer meu cadastro, tive que dar todos os meus dados, agora fico com medo de receber spam do Procon!  E ainda precisei ler uma ameaça de que qualquer informação falsa me transformaria num criminoso. Achei mala. Na boa: devia ser o contrário. As empresas deveriam poder ligar apenas para quem se cadastra dizendo que quer receber ofertas. O ônus de fazer o cadastro é da vítima da invasão de privacidade, que ainda tem que ler ameaças de cadeia. Mas dormir tranquilo na manhã de sábado compensa a encheção.

Foto: brycej (CC) – veja aqui várias outras cenas de Playmobil: http://www.flickr.com/photos/brycej/sets/72157605792888092


Olha só que bem bolado e útil o infográfico aí em cima, que você pode ver em detalhes clicando aqui. Ele foi publicado pela Good, a revista americana dedicada a fazer o bem. Com ele, você consegue calcular quanta água você gasta por dia e descobrir jeitos de reduzir o consumo. Cada gotinha é um galão, medida que equivale a 3,8 litros. As gotinhas azuis são galões consumidos diretamente e as verdes são galões indiretos (por exemplo, os milhares de litros usados no processo de produção da carne). Note como a imensa maioria da água que consumimos é de maneira indireta (gotinhas verdes). Nas colunas verticais cinza, você vê as opções que desperdiçam mais água, enquanto nas amarelas estão alternativas mais econômicas.

Resultado: dá para economizar 125 litros de água só trocando refrigerante por água. Já trocar carne por frango poupa da Terra incríveis 4 600 litros. No total, se você trocar todos os hábitos cinza por hábitos amarelos, você poupa nada menos que 8 626 litros de água por dia. Ou seja: mais de uma piscina olímpica por ano.

Opa! Prometi dar um exemplar do meu livro Piratas no Fim do Mundo ao autor do melhor comentário sobre a série de posts "Sardinhas, banqueiros e a diferença entre os sexos". Ou seja, além de ler 4 posts intermináveis, o sujeito agora vai ter que encarar um livro meu…

Resolvi escolher 2 vencedores, em vez de 1, porque não resisti ao Papai Noel. The oscar goes to:

Isa – Feita a associação entre sustentabilidade e a crise econômica, resta saber como administrar o uso dos nossos recursos disponíveis. A Islândia privatizou o peixe. Não deu certo. O Brasil tenta controlar a exploração da Floresta Amazônica. Não consegue. O Fórum Mundial da Água levanta os problemas, mas não entra em um consenso. Isso tudo reforça o que já foi dito aqui: não dá para simplesmente jogar toda a culpa no governo. A crise, seja ela ambiental ou econômica , tem raízes dentro de cada um de nós, islandeses ou brasileiros – humanos, enfim. Afinal, de uma forma ou de outra, somos todos investidores.

e

jorji – Islândia não é a terra do papai noel? Não vamos ter um natal maravilhoso este ano com certeza, papai noel está falido.

Isa e jorji, preciso dos endereços de vocês para mandar os livros. Podem me mandar por email, o endereço está lá em cima.


Ano passado, eu morei na cidadezinha de Palo Alto, na Califórnia. Um dia chegou uma carta na minha casa. Era da prefeitura. Em uma linguagem muito clara, texto breve, direto, a carta convidava para uma reunião dos moradores daquela área. O motivo: um vizinho, que morava a uns 3 ou 4 blocos da minha casa, ia fazer uma pequena reforma no muro da casa dele. Havia alguma dúvida no departamento de obras sobre se essa reforma contrariava ou não os códigos de construção da cidade. Por isso, a prefeitura estava convidando todos os moradores das proximidades para conversar e decidir se a reforma devia ou não ser autorizada.

Amanhã de manhã, na Câmara Municipal, uma comissão vai julgar a legalidade de um projeto de lei para mudar o Plano Diretor de São Paulo. Mudar o Plano Diretor é astronomicamente mais importante para uma cidade do que fazer uma reforma num muro. No entanto, ninguém foi chamado para debater. Pelo contrário, o projeto de lei está sendo empurrado, para passar logo e não se falar mais no assunto.

Não é difícil entender por quê.

Grana.

São Paulo funciona assim: há regras para construir, como costuma ser em cidades civilizadas. Só que uma das regras diz que é possível descumprir algumas outras delas pagando-se uma taxa à prefeitura. É a chamada "outorga onerosa". Um exemplo: o máximo de área construída de um terreno é a área do terreno (um prédio num terreno de 500 metros quadrados pode ter no máximo 500 metros quadrados construídos somando todos os apartamentos). Só que, se a construtora pagar à prefeitura uma taxa, pode construir até 4 vezes isso. A prefeitura arrecadou R$ 300 milhões desde 2002 com essa taxa. Bela grana.

Só que há um limite. Cada bairro tem uma área máxima que se pode construir além do plano. Mais que isso é impossível. E este limite está praticamente esgotado nas áreas nobres da cidade. Ou seja: a torneirinha de grana está prestes a secar. O projeto de lei tramitando na Câmara é uma confusão com centenas de emendas, então é difícil saber o que ele diz (ao contrário da carta simples e direta que recebi em Palo Alto). Mas, pelo jeito, a intenção dele é relaxar esse limite, e relaxar também outros limites (a área máxima construída passa a ser mais de 4 vezes, por exemplo).

Uma beleza, todo mundo ganha. As construtoras ganham porque podem construir mais e vender mais. A prefeitura arrecada uma baba com a tal taxa. E você… Puts, acho que você não ganha não.

A tal "outorga onerosa" tem sido um incentivo para a ocupação da cidade crescer mais rápido que a capacidade das vias, a disponibilidade de transporte público, de estacionamento (não vou nem falar em ciclovias que vão achar que enlouqueci). Resultado: SP fica cada dia mais entupida e brutal.

Bom, isso quer dizer que a tal comissão vai votar pela ilegalidade do projeto de lei amanhã, certo? Será? Dos 7 vereadores da comissão, 4 receberam doações de campanha da Associação Imobiliária Brasileira, que representa os interesses das construtoras. De que lado você acha que eles vão votar?

Update (25/3): todos os vereadores que receberam doações de campanha da AIB votaram pela legalidade do projeto de lei.

Foto: whiteblot (CC) – http://www.flickr.com/photos/stoyan


Em 2006, fui a uma feira de tecnologia em Nova York. Havia lá um carro futurista coberto de coisinhas que pareciam ladrilhos azuis e davam ao carro um jeitão de piscina. O monstrinho chamou minha atenção e fui conversar com o responsável. Depois de passarmos alguns minutos um tentando identificar o sotaque do outro, nos demos conta. Éramos os dois brasileiros. O nome dele, bem apropriado, é Marcelo da Luz, e ele mora há anos em Toronto, no Canadá. Seu plano: bater o recorde mundial de distância com um carro solar.

Lendo o blog americano Treehugger, acabo de ficar sabendo que o sonho do Marcelo se realizou. Ele acabou de chegar em Los Angeles, terminando uma viagem incrível que começou no sudeste do Canadá, passou por Nova York, cruzou o continente inteiro até o Alaska e desceu pela costa até o sul da Califórnia. Parabéns ao Marcelo. O cara é esperto e gente fina. Torço para que muita coisa boa brote desse projeto.


Eleição tem só de vez em quando – a cada ano, a cada dois anos. Quando tem eleição, a mídia fica cheia de propaganda para convencer você de que votar é importante. Mas não é. Votar não é muito importante. Afinal, boa parte da baixaria da política já está combinada antes da eleição, você não tem nenhuma voz nessa decisão. Para votar num cara em quem você gosta, você precisa levar junto na baciada uma porção de PFLs e PMDBs e coronéis regionais e donos de retransmissoras de TV e gente que troca água por voto e gente que pendura a família e os amigos no emprego. E seu voto, além de ser raro – os caras só vem perguntar sua opinião uma vez a cada ano, no máximo –, é diluído. Um votinho em milhões, que diferença faz?

Mas supermercado você faz toda semana. O tempo todo você está comprando coisas. E, se os políticos e empresários não dão a mínima para seu votinho, tenha certeza de que seus 10 reais são muito importantes para eles. A hora de escolher um produto para comprar é mais importante do que a hora de escolher um candidato. Assim como em época de eleição, você precisa fazer pesquisa. Como é que cada empresa trata seus funcionários, como é que elas tratam as pessoas que vivem perto de sua sede, como elas investem o dinheiro de marketing, quem é amigo delas, como elas participam do jogo de poder de Brasília?

Como regra, as empresas brasileiras não tem respostas muito boas para essas perguntas. Afinal, este aqui é um país onde ninguém presta satisfação para ninguém. Ninguém aqui quer ser responsável por nada. Mas isso está mudando devagar. Começam a existir marcas que procuram agir direito, até em nome de continuarem existindo no futuro – a tal sustentabilidade. Acontece que, se você não prestar atenção nas marcas que consome, esse esforço dessas poucas empresas legais vai ser inútil. Ninguém vai perceber que elas estão fazendo direito. Tem gente que acha super cool ser cínico. Dizer "ah, ninguém presta, no final vão derrubar a floresta mesmo, quero que se dane". Pois eu tenho uma novidade para essas pessoas: ser cínico é ser cúmplice de quem tem interesse em que as coisas não mudem.

Foto: whorange (CC) – obra de Banksy