Tem gente que gosta de arrumar confusão. Por exemplo, os Provos, jovens ativistas anarquistas dos anos 60 na Holanda. Eles adoravam uma treta. Fizeram um auê na Holanda monarquista e tradicionalista da época, ao ponto de terminarem nas manchetes dos jornais, e de derrubarem o chefe da polícia e o prefeito de Amsterdam.
Eram uns garotos inteligentes e absolutamente inconsequentes. No seu manifesto, eles diziam que “temos consciência de que no final iremos perder, mas não vamos deixar escapar a última chance de irritar e provocar esta sociedade até suas profundezas”. Botaram fogo em uma casa para protestar contra o cigarro (um de seus líderes só não morreu porque foi salvo pela polícia). Falsificaram uma carta da rainha na qual ela supostamente se convertia ao anarquismo e negociava uma transição de regime com os Provos. Encenaram o transporte de grandes quantidades de chá ou alguma outra erva legal, para atrair a polícia e provocar batidas policiais desastrosas, para alegria da mídia. Abriram uma casa para vender maconha (verdadeira e de mentirinha), o que acabaria inspirando política pública no país.
Eles tinham o hábito de criar “planos brancos” para Amsterdam. Planos brancos eram intervenções urbanas que tinham o propósito de mudar a vida na cidade. Alguns eram pura piada. Por exemplo, o Plano das Galinhas Brancas. Na Holanda, a polícia era agressivamente apelidada de “galinhas azuis”. Os provos se vestiram de galinhas brancas para mostrar que a cidade podia “ter um tipo diferente de galinhas”. Aí saíram pela cidade prestando serviços grátis de saúde, distribuindo camisinhas e frango frito.
Claro, passaram muito tempo na cadeia e tomaram muita cacetada da polícia. Mas, como eram holandeses, não brasileiros, ninguém foi morto.
Outro plano branco dos Provos, certamente o que ficou mais famoso, foi o Plano das Bicicletas Brancas. Funcionaria assim: a prefeitura compraria 20.000 bicicletas, pintaria-as de branco e espalharia-as pelo centro da cidade. Qualquer pessoa poderia pegar uma bicicleta, pedalar até onde quisesse e deixá-la para o próximo. A prefeitura, óbvio, recusou o plano e não comprou bicicleta nenhuma. Os Provos então compraram umas 50. A polícia apreendeu tudo. No final, algumas acabaram liberadas e disponibilizadas na rua. Em menos de um mês todas haviam sido depredadas ou roubadas ou jogadas nos canais que cruzam a cidade.
Os anos 60 se acabaram e vieram os 70, os 80 e os 90, com seu crescente pragmatismo, e o crescente financismo do discurso político. Agora, de repente, desde que Lyon inventou o Vélo’v em 2005 e inspirou Paris a lançar o Vélib em 2007, o Plano das Bicicletas Brancas começou a ser ressuscitado no mundo todo. Toda grande cidade que se respeita no planeta tem um – às vezes privado, às vezes operado pela prefeitura (no Brasil não tem nenhum decente). A bicicleta quase nunca é grátis, como queriam os holandeses. Paga-se um pouquinho, tem que ter um cartão de crédito, identidade, deixar um caução. Enfim, toma-se precauções contra possíveis depredadores.
Talvez os punks anarquistas dos anos 60 desaprovassem tanto controle do estado sobre as bicicletas – por que diabos tenho que mostrar minha identidade? É mais certo ainda que eles não gostariam da ideia do cartão de crédito e de haver uma empresa lucrando com isso. Mas o fato é que as ideias ingênuas e absurdas dos anos 60, combinadas com o que aprendemos sobre gestão, lucro e segurança ao longo dos últimos 30 anos, ainda podem dar um caldo.