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Ontem fui tomar um chá com o Adalberto Veríssimo, Beto, pesquisador do Imazon, que é Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, de passagem por São Paulo (muito chique isso de tomar chá com alguém, não é?).

O Imazon faz um trabalho bem legal, de pesquisa para entender os problemas, de elaboração de propostas para resolver os problemas, e depois de redação e edição de publicações, para explicar os problemas e as soluções de um jeito claro. Parece um jeito interessante e eficiente de exercer impacto na sociedade, e não ficar só no oba-oba. Ele define assim:

– Acho que é assim que as ONGs se justificam. Elas têm que trabalhar na fronteira. Fronteira não só geográfica, mas de conhecimento científico, conhecimento legal, atuação do estado.

Enfim, elas chegam antes, entendem o abacaxi, pensam em como agir e, quando o estado chegar, com seu ritmo mastodôntico, elas já têm uma sugestão de como agir, apoiada em conhecimento preciso.

Conversamos também sobre o plano do governo de regularizar as propriedades na floresta. A situação que ele me descreveu é surreal. Olha o gráfico aí em cima. Está vendo a faixa azul, a menorzinha de todas, de 4%? Este é o único pedaço da Amazônia em que é teoricamente possível fazer manejo, exploração sustentável, coisa e tal. O resto, ou é área protegida – parque nacional, áreas indígenas – ou está com registro irregular. E fora que boa parte do azulzinho já está desmatado.

Ou seja, querem que a Amazônia pare com esse negócio de gado, soja e exploração da madeira – basicamente as únicas atividades econômicas de vulto da região, excluindo a Zona Franca de Manaus. Mas não tem nada para colocar no lugar, porque só um tiquinho da floresta pode ser explorado. As pessoas vão viver de quê? É lógico que o desmatamento vai continuar enquanto não houver uma resposta.

O Beto tem críticas à forma como o governo quer regularizar as propriedades – uma imensa anistia, que pode acabar sendo um incentivo para desmatar mais rápido. Mas não tem dúvidas de que regularizar é urgente.

Fonte do gráfico: Imazon


Ontem, olhando o blog Baixa Cultura, fiquei sabendo que Hermeto Pascoal libertou sua obra, para que qualquer músico do Brasil e do mundo use em suas criações. A carta acima, "de próprio punho", é a "declaração de licenciamento" que ele publicou em seu site.

Vai viver do que então, se abriu a obra para o mundo?, perguntam-me os idiotas da objetividade. De poesia, eu diria, se estivesse em tarde mais lírica (e mais hippie). Mas sei ser prático também: de shows, de convites, de novos projetos viabilizados por novas parcerias, de seu nome que vai se espalhar com sua obra, de frutos concretos e monetizáveis de sua generosidade.

"Já passou da hora de eu me desligar das gravadoras", escreveu Hermeto. "O meu negócio agora é com meus irmãos de som, os músicos."


Lá vou eu de novo polemizar com direitistas e esquerdistas ao mesmo tempo. O que eu estou querendo? Escrever só para a minha mãe?

Eu gosto da ideia básica do liberalismo. Não consigo lembrar uma vez em que o Estado tenha se metido na minha vida e que eu lembre com carinho. Quero mais ele bem longe de mim (seria legal também se ele não tratasse tão mal as pessoas que precisam dele).

Mas acho que muitos liberais pregam seus ideais pela metade. Na relação entre as empresas e os estados, eles querem liberdade. Mas, nas relações entre as empresas e as pessoas, eles acham normal as empresas serem mais duronas que o Fidel Castro.

A proposta é liberalizar o mercado. Legal, vamos nessa.

Mas vamos também liberalizar as vidas profissionais e as relações com o consumidor.

Os clientes têm que poder conhecer os processos de produção, tem que
ter acesso a detalhes sobre o produto, sobre as decisões da empresa,
sobre as estratégias até. Têm que ter informação disponível para
comparar com o concorrente, de forma simplificada, honesta, direta.

Os funcionários têm que poder decidir como eles vão fazer seu trabalho – desde que se comprometam com o resultado, que razão há para cartões de ponto, crachás, horários, exigência de estar fisicamente na empresa? Eles têm que poder escolher suas tarefas em meio às necessidades da empresa – forçando a empresa a oferecer tarefas atraentes e exercendo livremente as vantagens comparativas em relação aos outros funcionários. Eles têm que poder dizer "não" à empresa – liberdade de consciência. Têm que poder pensar diferente dos outros. Têm que ter direito a conhecer as entranhas da empresa. O plano de carreira, por exemplo. Que empresa divulga para todos os seus funcionários os critérios para os salários e os benefícios, com clareza e transparência?

Que empresa é liberal em seu âmago, e não só na sua posição política?


Ontem foi anunciado o vencedor do Prêmio Pritzker, que os jornalistas chamam de Nobel da Arquitetura para tentar convencer os leitores a se interessar. O vencedor foi o suíço Peter Zumthor.

Não deixa de ser um sinal dos tempos.

21 anos atrás, em 1988, o dono do Pritzker era o brasileiro Oscar Niemeyer. Era ele o melhor arquiteto do mundo, de acordo com a comissão julgadora do prêmio mais prestigioso do planeta.

Niemeyer gosta de monumentalidade. Faz desenhos elegantes, lindos no papel, e confia a execução deles a uma equipe quase industrial. Usou basicamente um material sua vida toda: concreto armado. Trabalhou demais para governos, e frequentemente para ditaduras, de esquerda e de direita. Ditaduras têm uma queda por espaços planejados, organizados. Criou ambientes amplos, funcionais, assépticos, de uma beleza industrial. Seus prédios, imensos, indiscretos, dominam a paisagem. Em seus 101 anos, trabalhou muito. É difícil andar pelo centro de uma grande cidade brasileira – Rio, BH, Brasília, Goiânia, São Paulo – sem se sentir diminuído por suas construções, muitas delas deslumbrantes, algumas infinitamente burocráticas.

Zumthor é diferente em tudo.

Aos 65 anos, ele é tudo menos uma celebridade da arquitetura. Discreto, aparece pouco na mídia e raramente é cogitado para esses projetos famosos – museus, salas de concerto, arranha-céus. Vive num vilarejo suíço, tranquilo, dedicado ao seu trabalho. Raramente aceita encomendas. Raramente participa de concursos. Na verdade, trabalha em bem poucos projetos. Só aceita um trabalho quando se identifica completamente com a proposta. E, quando isso acontece, se dedica de corpo e alma, mergulha em cada detalhe, em cada centímetro, em cada sutil escolha de material.

Zumthor se considera um escultor, mais do que um arquiteto. Trabalha intensamente os materiais – um material diferente para cada projeto, cuidadosamente escolhido. E trabalha com as mãos. Encaixa suas obras na paisagem, de maneira harmônica, discreta, que dialoga com as tradições sem deixar de apontar rumos. Veja por exemplo a parede desta deslumbrante capela que ele fez na Alemanha, que remete aos extratos subterrâneos do solo (na foto acima). Não faz desenhos nem maquetes. "Arquitetura não se faz em papel. Não é apenas formas. É espaço e material". Perguntado pelo New York Times como um sujeito pode viver na quase obscuridade por 30 anos e de repente ganhar o prêmio de melhor arquiteto do mundo, respondeu: "se você fizer seu trabalho, se fizer o que você acredita, um dia será reconhecido".

Os leitores deviam se interessar mais por arquitetura. Se queremos mudar o mundo, um bom jeito de começar é mudando sua disposição espacial.


Ontem falei da tendência do debate político de se reduzir às categorias esquerda X direita, e de como isso é empobrecedor. Hoje quero falar de um exemplo disso.

O mercado.

Sim, ele mesmo. O diabo encarnado, na visão de parte da esquerda. O Todo Poderoso, segundo um pedaço da direita.

O mercado não é uma coisa nem outra. Ontem, lendo a The Economist (revista absolutamente pró-mercado), vi uma definição cristalina e brilhante de para que serve o mercado: para "alocar recursos para o uso mais produtivo". Simples assim. É isso que os mercados fazem. Eles não servem para decidir que tipo de sociedade queremos. Servem apenas para que, uma vez tomada essa decisão, o dinheiro flua para quem merece mais, sem desperdício, sem favorecimentos pessoais (desde que haja transparência).

A matéria da Economist que eu li tentava discutir como lidar com um dos mais desesperadores problemas ambientais do mundo: a falta d’água que inevitavelmente teremos que enfrentar num futuro próximo, se não quisermos enfrentar "uma conversão forçada ao vegetarianismo" (já que produzir vegetais consome dezenas de vezes menos água do que produzir carne).

A questão é a seguinte: não falta água no mundo – ela literalmente cai do céu. Mas, como cai do céu, todo mundo desperdiça vergonhosamente. Água é grátis (o que pagamos todo mês não é pelo líquido, mas pelo tratamento dele e pela infra-estrutura de encanamentos). Ou seja, não há mercado de água. Quem quer, usa. E, óbvio, todo mundo usa. E abusa. Consequência: a água em condição de ser consumida, apesar de cair do céu, está acabando num ritmo apavorante.

A solução proposta pela Economist: criar um mercado para a água. Mas o governo vai cobrar por algo que cai do céu? Não, isso seria insustentável politicamente. A alternativa é a seguinte: considerar que cada pessoa e cada empresa tem o direito de usar uma certa quantidade de água. Se você usar essa quantidade, a água é grátis para você. Se usar menos, pode vender parte de seu direito à água a outra pessoa, que quer usar mais. Quanto mais gente querendo usar água, portanto, mais cara ela vai ficar para quem não souber economizar, e isso beneficiará quem souber.

A Austrália implantou um sistema desses, com enorme sucesso.

Moral da história: o mercado não substitui a inteligência. Também não substitui o governo. Cabe ao governo imaginar jeitos de fazer a sociedade funcionar de maneira justa. O mercado é uma ferramenta imensamente eficaz de fazer essas ideias funcionarem.

É essa a lógica do Obama para lidar com a necessidade de reduzir emissões de carbono – acreditar tanto na possibilidade de uma sociedade mais justa quanto no inegável poder do mercado. Nada da lógica simplista esquerda X direita, que acha que temos que escolher entre uma coisa e outra. Infelizmente, não é essa a lógica da Petrobras, que decidiu controlar os preços da gasolina no Brasil. O preço do petróleo pode variar que nem cardiograma de corintiano no mercado internacional, mas o preço da gasolina só muda com uma canetada de um burocrata.

Foto: MaximeF (CC)


Eu evito falar do Lula aqui neste blog.

Não é porque eu não tenha minhas opiniões sobre ele. É porque sei o que vai acontecer se eu falar.

Se for um comentário levemente negativo, uma porção dos meus parcos leitores vai imediatamente me colocar numa categoria mental. Eu sou contra o Lula. Então, automaticamente, sou um neoliberal. Quero que os pobres morram. Apoiei Hitler contra os judeus, Israel contra os palestinos e Bush contra a ciência. Sou um fascista, reacionário, nazista, burguês. Ou melhor, pequeno burguês. Nem grande burguês eu sou, de tão insignificante.

Se for um comentário um tiquinho positivo, no entanto, a outra quase metade dos meus minguados leitores vai me colocar numa outra categoria. Eu sou a favor do Lula. Conseqüentemente, sou uma besta. Creio em O Capital sem tê-lo lido. Meu modelo de estadista é Chavez, minha maior inspiração é Stalin, meu país preferido é a Albânia dos anos 80 (mudou muito agora, não é mais como era antes). Sou anti-religioso, drogado e defendo o genocídio de fetos. Só sei lidar com o mundo de dois jeitos: paredão ou mensalón.

É fácil entender porque as pessoas gostam tanto dessas simplificações.

Dividir o universo em duas caixinhas é super reconfortante. Ainda mais em tempos complicados como estes em que vivemos, em que o Lula e o Collor são aliados e a China reclama do protecionismo americano.

É mais fácil dividir o mundo ao meio.

Acalma, reduz a ansiedade, dá uma falsa sensação de conforto no meio da tormenta.

É como agarrar uma fralda, chupar uma chupeta.

Mas é uma baboseira inútil, que não ajuda a resolver os problemas.

Para resolver os problemas, é preciso discutir ideias. É preciso olhar para um objeto de maneira racional, reconhecendo que ele, como todo o resto do universo, tem aspectos positivos e aspectos negativos. E tentar arrumar jeitos de potencializar os positivos e de desestimular os negativos. Para abrir mão das caixinhas é preciso, por exemplo, reconhecer que Lula acertou e errou ao longo dos últimos 7 anos, e usar a cabeça para entender quais são os acertos e os erros, para que o próximo governo tenha menos destes e mais daqueles.

É preciso ouvir com atenção o que as pessoas que pensam diferente de nós dizem. E bem pouca gente neste mundo confuso e cheio de distrações parece disposta a prestar atenção em nada.

Eu também já tive duas caixinhas dentro da minha cabeça, não muito tempo atrás. Claro que tive. Nasci na Guerra Fria também, sob os governos Geisel, Nixon e Brejnev. Cinco meses antes do Pinochet tomar o poder. Quando um sujeito chamado Castro estava no governo de Cuba. Ops, isso não mudou tanto assim.

Mas estou tentando aprender a viver sem essa muleta mental. Quero ter minhas próprias ideias. Quero viver cercado de gente com ideias próprias, em vez de cercado de ideias de gente que morreu antes de a internet existir.

Foto: Ana Cotta (CC)


Todo dia leio alguma notícia de um carro novo que não esfumace o céu e nos sufoque de carbono. Mas tem um assunto que todo mundo comodamente evita (até porque a gente gosta de viajar): aviões queimam carbono prá diabo.

Por isso achei legal esse protótipo de avião solar que está cruzando a Europa. Obviamente a tecnologia está muito longe de ser capaz de carregar passageiros ou carga. Mas o protótipo serve pelo menos para provocar as empresas aeronáuticas. E mostrar para elas que o problemas não é só das montadoras de carro.

Ah, o bichinho é absolutamente silencioso.

(A Boeing está começando a testar uma aeronava movida a hidrogênio e há 3 pequenas empresas iniciando projetos de aviões elétricos ou solares.)


A revista americana Fast Company deste mês tem uma boa matéria de capa contando a história de Chris Hughes. "Com apenas 25 anos, ele ajudou a criar dois dos mais bem sucedidos startups da história moderna: o Facebook e a campanha de Obama" (startup é o termo inglês para uma empresa recém criada – a brincadeira da revista aqui é considerar a campanha de Obama não só um fato político, mas um ato de empreendedorismo tecnológico, o que não deixa de ser verdade, considerando que a campanha nasceu da iniciativa privada, e não da estrutura partidária).

Hughes é um menino gay, tímido, do interior, com origens humildes, que se formou em literatura francesa e… se tornou um mega multi master milionário. Ele é um dos criadores do Facebook, o site de comunidades que tem 200 milhões de usuários – 1 a cada 30 Homo sapiens. Mas deixou o emprego para trabalhar na campanha de Obama ("eu não sairia do Facebook para trabalhar para mais ninguém", disse ele).

Foi Hughes que criou o MyBO (aberviatura de "meu Barack Obama"), um site parecido com o Facebook, mas voltado completamente para oferecer ferramentas para pessoas no país inteiro participarem da campanha, fazerem doações, deixarem depoimentos, se mobilizarem, ajudarem de algum jeito. A ideia básica é simples: em vez de ter uma campanha centralizada, com um cérebro e milhares de braços distribuindo panfletos país afora, o MyBO deu poder decisão às pessoas. A campanha tinha milhares de cérebros, todo mundo contribuindo com ideias, com trabalho e com informação.

Para que isso desse certo, o comando da campanha foi forçado a pensar diferente do tradicional: eles tiveram que abrir mão de serem os "donos" da mensagem, tiveram que confiar em gente comum, amadora, do país inteiro. Deu certo pacas. Quando um time de funcionários da campanha chegava a um estado para começar a trabalhar, já encontrava uma mobilização pronta, um escritório montado, uma estrutura trabalhando. Graças ao MyBO.

Quando a campanha de McCain começou a bater pesado, inclusive com campanhas difamatórias contra Obama, o MyBO gerou espontaneamente uma rede de pesquisadores voluntários que desmentiam os boatos antes que eles fizessem estragos.

A grande sacada do MyBO foi perceber que está cheio de gente querendo ajudar, mas sem saber como. Quem entrasse no site já descobria de cara modos práticos e simples de apoiar Obama: com uma doação, organizando uma manifestação, ou clicando na lista de telefones de eleitores indecisos e simplesmente ligando para alguns deles e tentando convencê-los a votar no homem.

Eleição ganha, Hughes ajudou a criar o Organizing for America, uma espécie de MyBO, só que voltado para ajudar Obama a governar (hoje, por exemplo, você pode entrar lá, pegar o telefone de um congressista e ligar para ele para ajudar a aprovar o orçamento). Ninguém sabe bem o que o garoto vai fazer em seguida, mas está claro que ele continuará ajudando a internet a inovar. Hughes acha que a internet tem um problema: ela dá pouca importância ao mundo real e, portanto, não serve para nada, é só brincadeira, desperdício de tempo. Ficar brigando sobre esquerda e direita em lista de comentários de blogs, por exemplo, não ajuda nem um tiquinho a melhorar o mundo.

Acredito firmemente que a estratégia do MyBO aponta para um novo jeito de pensar a sociedade, decentralizando a política. Eu e você somos contra o aquecimento global, contra a corrupção, contra a destruição das florestas, contra a miséria, não somos? Já pensou se houvesse sites que ajudassem a juntar essas forças, a cultivar essa inteligência coletiva e a canalizar nossas convicções em atitudes concretas, que realmente façam diferença?


Outro dia criei uma religião, o mussumismo, e excomunguei um arcebispo. Foi divertido. Excomungar dá uma baita sensação de poder, recomendo a todo mundo. Mas desde aquele dia o mussumismo está abandonado, coitado. Ainda não temos doutrina, nem dogmas, nem comunhões. Com essa falta de produtividade jamais conseguiremos juntar toda aquela grana que outras religiões mais eficazes tem.

Resolvi então começar. E começo então pelo começo: decretando os 10 mandamentos sagrados do mussumismo. O primeiro deles será anunciado agora.

Não me venhas com frescuras.

Atenção: não se trata de homofobia. Há homossexuais entre as pessoas mais sem frescuras que conheço. "Frescura", no caso, é um termo teológico que se refere ao hábito de dar chilique, de se recusar a conversar, de ficar furioso com quem pensa diferente de você, de se julgar acima do bem e do mal, ou acima das outras pessoas. Ora bolas, não me venha com frescuras.

Vamos encarar os fatos: estamos todos perdidos.

Eu. Você. O papa. Todos nós estamos perdidos.

Vivemos num mundo em que a GM está à beira da falência, os usineiros brasileiros são heróis ambientais, os jornais americanos estão acabando, os liberais defendem estatização dos bancos, a China é paladina do livre comércio, o presidente dos EUA chama Hussein. Tá tudo ao contrário. Daqui a pouco focinho de porco vira tomada e ninguém vai nem achar estranho.

Estamos no meio de uma revolução.

A lógica da nossa sociedade mudou, para sempre.

A internet mudou tudo. O aquecimento global mudou tudo. A crise mundial mudou tudo. Cada um desses fatores, por si, já seria suficiente para desinventar boa parte do que sabemos. Eles todos juntos, então… Vixe, estamos mais perdidos que ciclista no trânsito de São Paulo.

Revoluções tem uma característica interessante. O mundo velho desmorona de uma vez, rapidinho. Mas o mundo novo demora um tempão, às vezes séculos, para tomar forma. Neste exato momento, o mundo velho caiu, mas ainda não apareceu um novo.

Isso é fascinante. Inicia-se agora uma era de experimentações, de propostas que vão soar absurdas, de ideias, de inovações. De utopias. De novos modelos. De uma nova ética. Vai ser divertido pacas.

Mas não podemos perder tempo com picuinhas intelectuais, com discussões velhas, com resmungos. É hora de olhar para a frente, de buscar soluções, de ouvirmos uns aos outros, de trocarmos ideias com quem é diferente de nós, de encarar o mundo com o peito aberto, de nos encontrarmos ao vivo e olharmos nos olhos uns dos outros, em vez de ficar mandando mensagenzinhas iradas pela internet. Enfim, é hora de deixar de frescuras.

E assim está escrito.

Um dia desses anuncio o segundo mandamento.


Em 1780, os iluministas franceses finalmente concluíram sua monumental Encyclopédie, a mãe de todas as enciclopédias modernas, depois de 35 anos de trabalho em tempo integral. O empreendimento, gigantesco, envolveu centenas de colaboradores remunerados, entre eles celebridades intelectuais da época, como Voltaire, Rousseau e Montesquieu. Não faltou quem considerasse a coleção de livros uma das grandes conquistas da humanidade.

Enfim, fazer uma enciclopédia não é fácil.

A não ser que haja muita gente ajudando.

Em 2001, começou um experimento chamado Wikipedia, que consistia em criar colaborativamente uma enciclopédia. Qualquer pessoa do mundo podia participar.

A Encyclopédie francesa tinha 75 000 verbetes. A Wikipedia tem 12 milhões.

A Wikipedia é um exemplo eloquente do potencial da colaboração para fazer coisas grandiosas.

Mas uma enciclopédia não resolve os problemas do mundo.

Uma pergunta que muita gente tem se feito nos últimos anos é: como utilizar o fantástico poder criativo da colaboração para mais do que registrar conhecimento. Para fazer coisas concretas, impactantes. Este blog acompanha com interesse essa discussão.

Um bom exemplo: semana passada foi lançado o The Better Project (em inglês). O objetivo é usar a lógica da Wikipedia não para registrar conhecimento sobre as coisas, mas para melhorá-las. Em vez dos verbetes explicarem um assunto, eles trazem uma sugestão de alguém com uma idéia para melhorar algo. Aí há um sistema de votações e as ideias mais bem votadas vão ganhando destaque.

Uma boa ideia. Se vai dar em algo concreto, ainda é difícil saber – empreendimentos colaborativos demoram anos para ganhar massa crítica e decolarem, como aconteceu com a Wikipedia. Mas vale a pena acompanhar.