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Arquivo mensal: agosto 2009

Uma das torres hackeadas no Iraque

Uma das torres hackeadas no Iraque

Olha só a história que ouvi numa palestra (em inglês).

O sargento Martin Stadtler, do exército americano, foi enviado ao Iraque, e designado para uma base militar perto de Mosul. A base era gigantesca – uns 24 quilômetros quadrados – e cercada de forças hostis. Para protegê-la, havia em seu diâmetro diversas torres de observação, de onde duplas de soldados montavam guarda. Só que havia um problema. A base era tão grande que a distância entre as torres era maior que o alcance do rádio. O exército estava tendo que brincar de telefone sem fio – colocou soldados parados entre uma torre e outra para retransmitir as mensagens. Era uma solução cara, desconfortável, ineficaz, perigosa. A segurança da base toda estava ameaçada.

Por sorte, Stadtler, além de sargento, é parte da comunidade “open source” – ou código aberto, ou software livre, um hacker, programador habituado a modificar softwares e trabalhar colaborativamente, eventualmente infringindo leis de direitos autorais. Se Stadtler fosse usar os caminhos oficiais para resolver seu problema – comunicar seus superiores e solicitar rádios novos com alcance maior – a solução levaria talvez uns 6 meses e custaria pelo menos alguns milhões de dólares. Quando os rádios chegassem, é bem possível que seu pelotão já não tivesse mais naquela base. Em vez disso, o sargento fuçou nas latas de lixo da base e encontrou um laptop velho e várias sobras de fios. Usando software livre – código de programação disponível gratuitamente na internet – ele construiu uma rede de telefones sem fio interligando as torres. O custo foi virtualmente zero, a instalação levou alguns dias e o problema foi resolvido.

A história de Stadler ilustra com perfeição a diferença entre o jeito tradicional de governar e um jeito diferente, que está se espalhando pelo mundo, embora a mídia não fale nisso e a maioria dos políticos nem saibam do que se trata. O jeito tradicional é assim: o governo faz um grande projeto, todo pensado bem longe de onde o problema está. Geralmente contrata uma corporação gigante para executar o projeto, e paga a ela uma fortuna de bilhões. Isso se for um governo capitalista. Governos comunistas preferem executar o trabalho por conta própria – igualmente gastando bilhões. O jeito novo, quando existir, será assim: o governo não tenta centralizar nada. Ele disponibiliza de graça as ferramentas para resolver problemas e dá autonomia a quem está lá pertinho do problema para resolvê-lo do jeito que achar melhor.

Muita gente tem celebrado a importância de os Estados Unidos terem eleito seu primeiro presidente negro. Legal mesmo. Mas acho que mais importante ainda é o fato de que eles elegeram o seu primeiro presidente nerd. Obama não sabe fazer telefones sem fios, como Stadtler, mas, até por uma questão geracional, entende bem as vantagens de trabalhar de maneira descentralizada, em grandes redes, sem fazer segredo, confiando nas soluções criativas de indivíduos, dando poder de decidir para gente inteligente, que aprende com os erros.

Um documento fundamental emitido logo no começo de sua gestão – que passou quase despercebido em meio a crises mundias e quetais – foi um memorando dirigido a todos os chefes de departamentos e agências executivas. O nome do documento era “Estamos tentando. Por favor nos ajude”. Veja um trecho:

“Minha gestão está comprometida a criar um nível de abertura sem precedentes no Governo. Vamos trabalhar juntos para garantir a confiança do público e estabelecer um sistema de transparência, participação pública e colaboração. Essa abertura vai fortalecer nossa democracia e promover eficiência e eficácia no Governo.”

Esse conceito de “abertura” de Obama – transparência, participação, colaboração – é exatamente o que o movimento do software livre vem defendendo faz tempo. A ideia básica: um governo menos onipresente, menor, projetos menos faraônicos, mais poder para a sociedade resolver seus próprios problemas. Algo como um pout-pourri do que existe de melhor nas ideologias da esquerda (combate às injustiças, engajamento da sociedade, enfraquecimento das corporações, colaboração) e da direita (estado pequeno, liberdades individuais, sociedade cuidando de seus próprios problemas). Sem autoritarismo, doença crônica das duas ideologias.

Justiça seja feita: embora ninguém comente o assunto, o Brasil também tem feito progressos interessantes nessa seara. Na gestão Lula – embora muito provavelmente sem qualquer participação dele – o Brasil se tornou uma potência do software livre. É com software e hardware livre que se está construindo o programa Pontos de Cultura, uma rede de focos de produção de ideias espalhados pelo país, sem controle do governo. Num país tradicionalmente dominado por pouquíssimas vozes, onde a cultura é autoritária e a elite gosta de achar que o povão é um poço de burrice, isso é um baita avanço.

Tudo isso pode parecer pouco importante, mas é talvez a mudança mais relevante acontecendo atualmente para a democracia mundial. Se o movimento do software livre conseguir hackear os governos do mundo, criando canais de comunicação direta com a população, dando espaço para que cada um possa se organizar e construir um pouquinho da sociedade, teremos dado um passo gigante na direção de uma vida política com mais civismo, mais sentido, mais sustentabilidade. É claro que tem muita gente poderosa empenhada em que isso não aconteça – nos governos e nas corporações.

Semana que vem, o visionário Tim O’Reilly, o homem que inventou a expressão web 2.0, vai organizar em Washington o gov2.0 Summit, uma conferência recheadas de figurões da Casa Branca para discutir o potencial da internet para transformar a democracia e o mundo. Estou arrumando minhas malas para assistir. Depois conto para vocês.

Pessoal,

Nem parece, mas já faz 6 meses que estreei este blog. Para mim tem sido um prazer vir aqui praticamente todo dia discutir um modelo mais sustentável de sociedade com vocês. Tenho aprendido pacas.

Acabei de voltar de uma viagem de 1 mês e meio e, nesse período, postei com menos frequência – uma vez por semana, no máximo duas. Gostei da experiência. Os textos ficaram um pouquinho mais reflexivos, mais analíticos, as abordagens ficaram menos apressadas, o debate dos comentários ficou mais rico porque teve tempo de se desenrolar mais antes de um post novo.

Por causa disso, e também porque minhas outras atribuições profissionais estão impossibilitando pensar no blog todo dia, decidi estabelecer um novo ritmo aqui. Vou postar uma vez por semana. E vai ser toda segunda-feira, que é o dia em que se digere as leituras do fim de semana – assim dou uma periodicidade fixa para o SéP. Claro que, de vez em quando, quando der uma vontadezinha de postar fora de hora, deixarei alguma coisa aqui em algum outro dia. Mas garantido mesmo é o post de segunda, que prometo que farei com mais capricho, com mais compromisso.

Vamos ver se fica legal assim. Já está valendo: começo na próxima segunda.

A capa da Time desta semana

A capa da Time desta semana

Olhando assim para nós, seres humanos, não parece, mas somos parte da natureza. Nossos desejos, nossas ideias, nossos apetites foram todos moldados por milênios e milênios de evolução. Nossos ancestrais sobreviveram a um mundo hostil e passaram para frente genes que, na época, revelaram-se úteis. Por exemplo: genes que determinam o apreço por comidas altamente energéticas, que impediram que eles morressem de fome. Ou genes que proporcionam alguma agressividade, alguma ousadia, na relação com o sexo oposto, que impediram que eles morressem virgens, sem deixar descendentes. Ou genes que induzem à disposição para correr riscos, que impediram que nossos ancestrais passassem a vida à sombra de um coqueiro, esperando a vontade de fazer algo construtivo passar.

Tem um jeito fácil fácil de ganhar dinheiro: apelar diretamente a esses desejos atávicos, difíceis de resistir. É essa a especialidade de Las Vegas.

Las Vegas é a capital da trash food: queijos derretidos, qualquer coisa empanada, gordura escorrendo, açúcar suficiente para sustentar gerações de dentistas. Vi um restaurante ítalo-mexicano que vendia pizza de doritos coberto com molho e queijo derretido. É impressionante o tamanho de algumas pessoas que andam por lá. Vegas é também a capital do desejo sexual. Lá os carros rebocam outdoors móveis iluminados com anúncios de prostitutas. Não tem como não notá-los, eles passam à sua frente – não tem como não ser tentado por eles. Naquelas caixinhas de jornais, tão americanas, em vez de notícias, há catálogos de garotas de programa.

Há caça-níqueis em todo canto, até nas áreas de espera do aeroporto. O caminho da rua ao quarto do hotel é propositalmente longo, para forçar você a passar por muitos caça-níqueis e, quem sabe, torrar algum dinheiro. Não há janelas, para enganar o organismo e não deixá-lo sentir o tempo passar. Nos cassinos, as garçonetes usam maiôs minúsculos, cavados nas virilhas e com decotes imensos. É que a visão do corpo feminino provoca descargas de testosterona nos homens. E, com níveis mais altos de testosterona, os apostadores ficam mais dispostos a correr riscos. A gastar mais dinheiro.

Pura biologia. Puro cálculo. Pura manipulação. As pessoas naqueles cassinos imensos são como ratinhos de laboratório, respondendo a impulsos, obedecendo pavlovianamente ao que se espera delas.

Agora saia do roteiro traçado para os turistas e você vai ver outra Vegas. Saia das ruas iluminadas e entre num daqueles becos escuros, de mendigos e prostitutas, de traficantes e loucos, de fracassados e bêbados. Em vez de pegar o “super-trem suspenso”, vá andar à pé. E você vai ver os bastidores de Vegas – o lado de trás do cenário hollywoodiano. E você vai ver uma cidade sem empreendedorismo, onde apenas meia dúzia de megacorporações decidem tudo, e o resto das pessoas obedece. Uma cidade sem alma, sem realização individual, sem dimensão humana.

Li outro dia o bom gibi Pyongyang, do francês Guy Delisle, que visitou a capital da Coréia do Norte e, a contragosto dos “guias-guardas” colocados à disposição dele pelo governo, também ousou sair do roteiro traçado e andar nas ruas da cidade. Fiquei com a sensação de que tem algo parecido entre Vegas e Pyongyang: a mesma falsidade, o mesmo vazio, a mesma grandiosidade oca.

Algumas pessoas se irritaram com meu último post. O raciocínio delas foi o seguinte: eu critiquei Vegas e o super-bilionário Sheldon Adelson. Vegas é nos Estados Unidos e Adelson é um empresário, logo eu só posso ser comunista. E dá-lhe comentários dizendo que eu sou um “ecotrouxa” apreciador de Fidel e de Havana.

Esses comentários não podiam ter passado mais longe do alvo. Não tenho nada contra o capitalismo, nem contra os Estados Unidos, de onde vos escrevo (neste exato momento, estou no Aeroporto Internacional George Bush, em Houston, Texas). Houve até quem declarasse que Adelson um “herói”, um empreendedor que ajuda a construir o mundo. Adelson não é nada disso. Ele é odiado por todos os outros donos de cassino, que no geral são pessoas divertidas e amigáveis – um dos “donos” de Vegas, Steve Wynn, chama-o pelas costas de Mr. Magoo. Paranóico, desagradável, amante de riscos acima de qualquer outra coisa, Adelson se comporta bastante como seus clientes, os apostadores. Ele não trabalha pelo prazer de construir coisas, mas pelo “rush”, pela adrenalina de arriscar. Um impulso humano, sem dúvida. Compreensível. Mas não heróico.

Verdade que a grana de Adelson gerou empregos, aqueceu economias, enriqueceu gente, e isso é bom. Mas, se o que estamos vendo no mundo afora é uma bolha especulativa explodindo, Adelson era um daqueles de canudinho na mão, soprando. O que ele produziu foi ar.

Não me entendam mal. Não estou fazendo um julgamento moral aqui. Adelson tem todo direito de soprar o canudinho. Mas o simplismo dos leitores que me escrevem dividindo o mundo entre bem e mal, esquerda e direita, heróis e vilões, e que afirmam bobagens do tipo “ele ganhou dinheiro, portanto ele é bom” é parte do nosso problema. (Só para lembrar: traficantes de heroína, de escravas sexuais e de órgãos humanos também ganham dinheiro.) A questão não é se ele é bom ou ruim – é se o tipo de mundo que ele propõem é sustentável ou se ameaça nossa sobrevivência como espécie.

Precisamos deixar para trás essas bobagens. Precisamos aprender a distinguir entre as empresas que estão efetivamente resolvendo problemas humanos e inovando e aqueles que, como Adelson, fazem a vida explorando as fraquezas dos outros.

A velha divisão esquerda e direita não dá conta de separar uma coisa da outra. Ela é simplista: se você gosta de San Francisco tem que gostar de Las Vegas, se gosta de Steve Jobs tem que gostar de Sheldon Adelson. Se não, é comunista. Isso é uma bobagem do tamanho da pirâmide egípcia de Vegas – mas uma bobagem tão encravada nas nossas mentes que vira e mexe ela reaparece aqui na caixa de comentários. Repito: este blog não existe para essa discussãozinha boboca. Se você quer muito continuar debatendo a mesma coisa de sempre, convido-o a fazê-lo em um dos quatrilhões de blogs dedicados a isso internet afora.

Para mim, Las Vegas e Pyongyang são o mesmo lugar. Fidel e Pinochet são a mesma pessoa. Esquerda e direita são dois braços do mesmo burocrata chato que quer mandar em mim e esvaziar minha vida de sentido e graça – seja ele um gerente de corporação ou um oficial do politburo.

vegas

A crise está no mundo inteiro, você sabe. Mas tem lugares em que ela é pior. Bem pior. Leio duas matérias, em duas revistas, sobre duas cidades – duas cidades absurdas, dois desvairios erguidos sobre a areia, duas das cidades mais insustentáveis do mundo. Na Time desta semana, um texto delicioso do sempre divertido Joel Stein sobre Las Vegas. Na Fast Company deste mês, um ensaio fotográfico chocante sobre Dubai. Dubai e Las Vegas, dois oásis de sonho inconsequente no meio do deserto. Dois símbolos de tudo que estava errado no mundo. Duas cidades moribundas.

Vegas e Dubai não produzem nada – nada, nada, nada – mas viram suas economias bombar nos últimos anos. Em Vegas, que é incapaz de produzir sua energia e fica longe de qualquer fonte de água, há um raio laser que chega até a Lua e um espetáculo de fontes dançantes. Dubai importa até areia – para dar conta do ritmo das construções. Ao longo das últimas décadas, o desvairio de Vegas gerou réplicas de Nova York, Veneza, Paris, Antigo Egito, Império Romano. Dubai, mais recente e tecnológica, fez Vegas parecer um playground de prédio. Lá se projetou o prédio mais alto do mundo, uma pista de esqui com neve artificial, réplicas em tamanho natural das sete maravilhas do mundo, o maior shopping center do planeta. E um arquipélago artificial de 300 ilhas com a forma dos continentes e uns 800 quilômetros de costa, para todo mundo poder ter casa na praia.

As duas reportagens são deprimentes na descrição do que aconteceu lá depois do derretimento do sistema financeiro. As duas cidades estavam crescendo que nem loucas – mas era um crescimento ilusório, a especulação imobilária gerava grana que alimentava mais especulação imobiliária. Agora a impressão que dá é que houve uma guerra.

Dubai está cheia de prédios não terminados e guindastes sem uso – um quarto de todos os guindastes do mundo está lá. Em Vegas, há bairros em que uma a cada três casas está à venda. Em Dubai, há carrões de luxo abandonados pelas ruas, às vezes com a chave no contato e a conta impagável do cartão de crédito no porta-luva – o dono fugiu para escapar da cadeia. Em Vegas, há casarões abandonados e depredados pelos ex-proprietários incapazes de pagar as prestações e revoltados com isso – alguns não têm nem mais a fiação elétrica, porque tudo que pode valer algum dinheiro foi saqueado. Em Dubai, imigrantes pobres sem emprego tiveram seu visto cassado e estão presos no país. Em Vegas, corretores de imóveis se especializaram em dar golpes em bancos: pegam uma família incapaz de pagar as prestações, vendem a casa deles antes da desapropriação e, com o dinheiro, compram uma casa maior. Em Dubai, cocô começa a se acumular: em meio ao desvairio, as mansões ficaram prontas antes do sistema de esgoto.

Na matéria da Time, tem um personagem símbolo: Sheldon Adelson, 76 anos, o homem que inventou Las Vegas como a capital mundial das convenções e que bancou muito da explosão de Dubai. Em 2007 e 2008, ele era o terceiro homem mais rico do mundo, dono de 40 bilhões de dólares. Sozinho, ele perdeu 36,5 destes bilhões, mais do que um Uruguai inteiro. Ele é o homem que mais perdeu dinheiro com a crise. Seu telefone vivia tocando – eram bancos oferecendo empréstimos. Hoje, banco nenhum empresta para ele, mesmo que ele implore. Joel Stein, o repórter, pergunta para ele se um dia ele vai querer pegar um empréstimo de novo. Ele responde na lata:

–    Assim que eles voltarem a me emprestar, sou o primeiro da fila.

Tem gente que não aprende.

(A foto é minha, parte de um ensaio fotográfico que fiz em Las Vegas em 2007, procurando mostrar como, por trás da alegria falsa de lá, se esconde uma das cidades mais tristes do mundo.)

Leio aqui no jornal Los Angeles Times de hoje que ontem, sábado, foram divulgados pelo instituto de pesquisa não-governamental Arquivo de Segurança Nacional documentos que mostram que o Brasil participou com destaque das articulações para o golpe militar do Chile, em 11 de setembro de 1973. O golpe resultou na morte do presidente eleito Salvador Allende e na longa ditadura de Augusto Pinochet, a mais sangrenta da América Latina do Sul, que só terminou em 1990.

Os documentos são comunicações entre representantes dos governos brasileiro e americano. Fica claro que havia um canal direto para discutir o assunto entre o general Medici, então presidente do Brasil, e o presidente conservador americano Nixon. O trecho mais revelador mostra que a oferta americana de ajuda financeira para os golpistas chilenos veio depois de Medici dizer a Nixon que os militares brasileiros estavam trabalhando junto com os chilenos, e que ele acreditava nas chances de sucesso do golpe.

O golpe já ficou no passado, claro. Pinochet já morreu, assim como Nixon e todos os ditadores militares brasileiros (dos personagens citados nos documentos, um continua vivo: o então secretário de Estado americano Henry Kissinger, tido como o maestro da Guerra Fria americana). Mas, ainda que a divulgação venha tarde demais para ter consequências, acho notável que documentos desse tipo continuem aparecendo, jogando luz sobre a história. Um mérito há que se reconhecer na democracia americana: há uma clareza de que o país é maior do que o presidente. Tanto é assim que documentos são preservados e tornados públicos ao longo das décadas, por mais incômodos que eles sejam (uma das tantas atrocidades de W. Bush como presidente foi tentar emperrar esse processo, num de seus esforços para reduzir a transparência do governo).

Não se vê documentos desse tipo aparecendo aqui no Brasil. Talvez seja pela nossa tendência à informalidade, a não registrar as coisas. Talvez seja pelo nosso espírito menos metódico, menos organizado. Talvez seja pelos poderes meio imperiais do nosso presidente, que provavelmente tem muito mais margem de manobra para mandar destruir papéis importantes do que os americanos.

Uau!

Vocês não acreditam no programa que está passando agora na TV aqui nos EUA. É na Fox News, chama Glenn Beck Program, e está discutindo o projeto do Obama de seguro de saúde universal. Como se sabe, o sistema de saúde americano está nas mãos de seguros de saúde privados que são assustadoramente caros e que fazem o possível para não pagar quando o sujeito precisa. Além disso, rejeitam qualquer pessoa que não tenha uma saúde perfeita. Obama quer criar um sistema público ou pelo menos muito regulamentado, que cubra todo mundo.

Pois então. O tal Glenn Beck, que é um comentarista ultraconservador doido de pedra, está comparando isso com a política de Hitler de eutanásia forçada. Olha o raciocínio: o seguro de saúde vai ter que fazer escolhas sobre que tratamentos ele vai cobrir e quais não vai (afinal, os custos de saúde são imensos e os recursos são limitados). Logo, ele vai decidir quem merece viver e quem deve morrer. O nazismo voltou! Aí o sujeito começa a mostrar na TV imagens de bandeiras nazistas, pôsteres de propaganda defendendo a matança de velhos e crianças doentes (como este aí abaixo), cenas de campos de concentração. A uma certa altura, ele contorce o rosto e começa a chorar! E diz que, se dependesse do plano de Obama, a filha dele, que tem paralisia cerebral, não poderia viver! Agora ele está dizendo que – horror dos horrores – Obama mataria Ronald Reagan, porque ele tinha Alzheimer (Reagan é o herói dos conservadores daqui).

Sendo que a tal proposta é de criar um seguro de saúde quando hoje não há nenhum. Enfim, a ideia é dar seguro a quem não tem, não matar gente.

Minha nossa senhora, eu sabia que a Fox News apelava para espalhar medo pela população, mas eu não tinha ideia de que chegava a esse ponto.

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Este foi um dos cartazes mostrados agora na TV. Diz que este doente mental custará 60.000 marcos ao estado ao longo de sua vida. “Cidadãos! Este é o seu dinheiro.” Segundo a Fox News, é assim que Obama pensa.

Update: Arrá, agora ele descobriu o culpado! É o movimento verde! Sim, sim, meus caros, os ecologistas, os ambientalistas, esses mesmos safados que estão tentando acabar com a produção agrícola brasileira. Afinal, os ecologistas não dizem que há humanos demais no mundo? Pois então! Eutanásia forçada neles. Olha só o maluco aí embaixo numa foto que eu tirei da TV. Ele está mostrando um infográfico das ideias que influenciaram o programa de Obama. Algumas frases escritas na lousa: “comunista”, “abortos forçados”, “bebês não são humanos”.

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Estou bem longe do Brasil, trabalhando aqui nos Estados Unidos, sem acompanhar com atenção as notícias da terrinha. Portanto não quero me exceder nos comentários sobre a cada vez mais possível candidatura de Marina Silva a presidente, pelo PV. Não quero soar leviano, ou ingênuo. Mas não dá para um blog sobre sustentabilidade não comentar o assunto. Comento assim meio que de leve, pois.

PT e PSDB decidiram ano e tanto antes da eleição que a disputa seria entre Dilma e Serra, com Aécio no papel oficial de única surpresa permitida. Isso me desanima. Para mim é um indício gordo do estado lastimável da nossa democracia, e da necessidade de ela ser reinventada. Quer dizer então que se decide o presidente numa salinha fechada e nós só somos convidados para escolher um entre dois botões?

Tanto é assim que os candidatos e os partidos não estão nem preocupados em dizer ao Brasil qual é o modelo de país que eles propõem. A discussão, na imprensa, parece debate de torcida de futebol: “o seu é pior que o meu”, “não, o seu é que é péssimo”. Não é coincidência que muitos dos “analistas” políticos mais famosos do Brasil de hoje não fazem análise nenhuma – fazem só torcida.

Marina Silva, desapontada com a visão antiga que o PT tem da questão ambiental, chegou à conclusão de que não quer mais jogar esse jogo. De que quer discutir diretamente com o eleitorado sua visão de país, em vez de se curvar ao pragmatismo que matou o debate político no país nos últimos 15 anos e que convenceu todo mundo que só importam duas coisas:

  1. ganhar as eleições.
  2. ter apoio suficiente no Congresso para governar por canetada.

Essas duas coisas são importantes para os partidos e para os políticos. Mas não são as coisas mais importantes para o país. Mais importante é saber que tipo de país queremos ser. Muito mais importante é discutir um modelo que permita crescimento econômico sustentável para as próximas décadas. Nem PT nem PSDB parecem dispostos a tocar nesses assuntos. Em outras palavras: nenhum dos dois partidos que se consideram os únicos a disputar a presidência estão falando do mais importante.

A entrada de Marina na jogada seria, portanto, uma boa novidade. No mínimo, ela vai forçar as candidaturas favoritas a se pronunciarem sobre o que importa.

Mas ela é a melhor candidata? Vamos ver. Agora é esperar para acompanhar a discussão da campanha. Em especial, esperar para saber se ela tem algo a dizer além da questão ambiental.

Se ela vai ganhar? Duvido.

Mas, se ganhar, não seria a primeira vez que um candidato, nesses tempos de internet, desfaz no peito aquilo que se decidiu numa sala fechada de um partido político.

Voltarei ao assunto em breve.

Mas antes deixa eu abrir para o linchament… Quer dizer, os comentários.

Cerejas direto do fazendeiro

Cerejas direto do fazendeiro

Uma bandeira que se torna cada vez mais forte aqui nos EUA, mas ainda não sensibiliza ninguém aí no Brasil, é a campanha para comprar produtos locais. Por todo lado por aqui se vê cartazes “buy local”, “locally grown”, “locally produced”, “locally owned” – os comerciantes, agricultores e proprietários de empresas fazem questão de anunciar que vivem na comunidade onde trabalham. E muitos consumidores fazem questão de serem fregueses desse pessoal, como uma forma de incentivar o empreendedorismo e não mandar o seu dinheiro para longe de casa.

Li outro dia numa reportagem do jornal SF Guardian, de San Francisco, que os produtos locais estão fazendo tanto sucesso que até as grandes redes estão falsamente apelando para o marketing do “local” como uma forma de atrair fregueses. A livraria Barnes & Noble, maior vendedora de livros do mundo, adotou o slogan “toda livraria é local”. A rede de supermercados Wal-Mart colocou cartazes com a palavra “local” perto dos legumes e verduras. O HSBC, um banco internacional gigantesco, apelidou-se de “o banco local do mundo”. O Conselho Internacional de Shopping Centers começou uma campanha nacional para as pessoas comprarem de negócios locais – isso é, do shoping center do seu bairro.

O fato é que “comprar local” não significa ir para a loja local de uma grande cadeia – significa gastar seu dinheiro numa pequena empresa cujo dono mora perto de você. Ao fazer isso, você garante que o dinheiro ficará no seu bairro. Ou seja, você acaba sendo indiretamente favorecido. Aqui nos EUA, calcula-se que 45 a cada 100 dólares gastos em negócios locais ficam na comunidade. Muito mais do que os 13 de cada 100 dólares gastos em lojas de rede. Comprar local também ajuda a fortalecer a classe média – o dinheiro premia pequenos empreendedores, em vez de ir parar nas mãos de executivos engravatados dos infinitos níveis hierárquicos das grandes corporações. Sem falar que incentivar o comércio local pode reduzir a emissão de carbono, ao diminuir a necessidade de transportar produtos por grandes distâncias. E, no meio da crise cataclísmica que está assolando o país, cidades com comércio local mais forte estão se saindo melhor do que lugares altamente dependentes de redes e corporações.

Outra vantagem é que incentivar o comércio local torna as cidades mais interessantes. San Francisco, que tem leis rigorosas para desestimular a chegada de grandes redes, tem um comércio absurdamente variado e divertido. Austin, no Texas, outra cidade que preza o comércio independente, tem um dos aeroportos onde se come melhor no país. Todos os restaurantes e lanchonetes do aeroporto são de donos locais. País afora, já há 4.385 “mercados de fazendeiros”, pequenas feiras de rua mantidas pelos agricultores locais. Um terço deles não existia em 2000. Não tem lugar melhor para tomar café da manhã num domingo de sol. Outro exemplo da “onda local” são as hortas comunitárias que estão se espalhando por cidades americanas, em especial na Califórnia, mas até aqui, nesta ultra-urbana Nova York de onde escrevo. As pessoas estão plantando seu almoço em vez de ir a uma rede de supermercados.

Foto: Flickr/Robert Couse-Baker

Roubei, eu confesso. Podia estar matando, estou roubando:

Ha certos sujeitos que nao aprendem mesmo, citam Deus para justificar preconceitos pessoais, como se acreditar em Deus ou ter uma religiao fossem pre-requisitos para o desatino, talvez querendo instigar outros preconceitos que pairam por ai tambem.

Intolerancia eh foda!

Enquanto isso, na missa passada, aconteceu a despedida do Diretor de Musica da igreja frequentada pela minha esposa e filhas, com direito a bolo, refrigerante, etc. Durante a missa, a irma que administra a paroquia despediu-se dele dizendo “go west young man, go west”, referindo-se ao fato dele estar se mudando para Sao Francisco, onde assumira o mesmo cargo numa catedral.

Ele eh gay.

A intolerância é lá cima, entre o pessoal de batina colorida. Quem convive com gente de verdade entende que cada um tem seus segredos.