Tem uma faixa de pedestres logo aqui em frente de casa (fui lá agora fotografá-la). É uma faixa gasta, meio apagada. E, para todos os efeitos, absolutamente inútil.
Como não tem semáforo, ninguém para. Fica o pedestre no meio da rua, esperando pacientemente. Às vezes é uma velhinha de muletas. Às vezes é uma moça com um bebê no colo. Às vezes demora 5, 10 minutos para abrir uma brecha, e mesmo assim só dá para passar correndo. Ninguém para. Nem o carro do CET, o departamento de engenharia de tráfego.
Isso me irrita profundamente. Então tenho o hábito de ameaçar entrar na frente do carro. O motorista se assusta, às vezes xinga, às vezes freia. Às vezes acelera, possesso, como que dizendo para mim “tenta que eu te mato”. Quando estou de muito mau humor, dou um tapa no retrovisor. Isso eventualmente vira um barraco: o motorista gritando de dentro do carro que eu sou folgado, eu apontando para a faixa no chão. Minha mulher fica bravíssima comigo: ela acha que esses atos só servem para deixar os motoristas ainda menos tolerantes com os pedestres. Eu respondo que, se eu não faço isso, o motorista nem fica sabendo que ele está errado. Afinal, ele acha que o carro dele é um presente dos céus que automaticamente o transforma numa pessoa com mais direitos do que os pobres pedestres. E não chegamos a uma conclusão: como conscientizar os motoristas que esse hábito que eles têm há anos é um absurdo? Como, se ele passa correndo, janela fechada, alheio à rua, e não dá para conversar com ele?
Mas ele vai ter que estacionar um dia. E, quando estacionar, vai ter que atravessar a rua. Ok, ok, aqui em São Paulo os absurdos chegam a limites assustadores. Tipo: inventou-se aqui a mania ridícula de cada estabelecimento comercial ter seu próprio manobrista, para o sujeito poder se transformar diretamente de motorista em consumidor, sem o humilhante estágio intermediário de pedestre.
Eu, da minha parte, não uso manobrista. Acho que seria uma traição contra a minha cidade.