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Arquivo mensal: abril 2009

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Tem uma faixa de pedestres logo aqui em frente de casa (fui lá agora fotografá-la). É uma faixa gasta, meio apagada. E, para todos os efeitos, absolutamente inútil.

Como não tem semáforo, ninguém para. Fica o pedestre no meio da rua, esperando pacientemente. Às vezes é uma velhinha de muletas. Às vezes é uma moça com um bebê no colo. Às vezes demora 5, 10 minutos para abrir uma brecha, e mesmo assim só dá para passar correndo. Ninguém para. Nem o carro do CET, o departamento de engenharia de tráfego.

Isso me irrita profundamente. Então tenho o hábito de ameaçar entrar na frente do carro. O motorista se assusta, às vezes xinga, às vezes freia. Às vezes acelera, possesso, como que dizendo para mim “tenta que eu te mato”. Quando estou de muito mau humor, dou um tapa no retrovisor. Isso eventualmente vira um barraco: o motorista gritando de dentro do carro que eu sou folgado, eu apontando para a faixa no chão. Minha mulher fica bravíssima comigo: ela acha que esses atos só servem para deixar os motoristas ainda menos tolerantes com os pedestres. Eu respondo que, se eu não faço isso, o motorista nem fica sabendo que ele está errado. Afinal, ele acha que o carro dele é um presente dos céus que automaticamente o transforma numa pessoa com mais direitos do que os pobres pedestres. E não chegamos a uma conclusão: como conscientizar os motoristas que esse hábito que eles têm há anos é um absurdo? Como, se ele passa correndo, janela fechada, alheio à rua, e não dá para conversar com ele?

Mas ele vai ter que estacionar um dia. E, quando estacionar, vai ter que atravessar a rua. Ok, ok, aqui em São Paulo os absurdos chegam a limites assustadores. Tipo: inventou-se aqui a mania ridícula de cada estabelecimento comercial ter seu próprio manobrista, para o sujeito poder se transformar diretamente de motorista em consumidor, sem o humilhante estágio intermediário de pedestre.

Eu, da minha parte, não uso manobrista. Acho que seria uma traição contra a minha cidade.

A gente vive tão preso no presente, com esse negócio de ver as notícias segundo a segundo e postar no twitter, que às vezes perde a perspectiva das coisas. De tempos em tempos é bom dar um passo para trás e olhar para essa meleca um pouco mais de longe, para entender o que é que está rolando.

Vejamos então o que dá para ver daqui.

Parece que tudo começou em 2000. Eleição para presidente lá na metrópole. Mal colocaram o último voto na urna e um dos candidatos saiu gritando, rugindo, nervoso, agressivo, estressadinho: ganhei, ganhei, ganhei! Bush é o nome do cara. Ganhou no grito. Foram contar os votos, parece que ele não tinha ganho não. Mas aí o sujeito já estava sentado na cadeira, rangendo os dentes, babando de raiva: ganhei, seu canalha, reconhece a derrota, quer causar uma crise institucional? O adversário, bonzinho, intimidado, cedeu.

A gente vive fazendo isso.

A humanidade tem essa fraqueza. A maioria de nós acha mais importante ser legal do que comprar uma briga. E, quando alguém se traveste de autoridade, nosso macaco ancestral dá o chamado evolutivo e nós já tratamos o desgraçado como se ele fosse o macho alfa. Obedecemos. Read More

Já morreram 150 pessoas no México, derrubadas por uma gripe, possivelmente transmitida de porcos. A doença já tem casos confirmados nos EUA e na Europa e suspeita-se que ela já tenha chegado aos quatro cantos do planeta, do Canadá à Austrália, da França à Colômbia. O surto começou faz 15 dias, mas hoje uma coisa ficou clara: trata-se de uma pandemia, uma das piores registradas nas últimas décadas. A coisa é feia.

Que história é essa de gripe mortal que parece que está virando moda desde 2003, quando um surto matou gente na China, no Vietnã e na Tailândia? Isso não vai parar?

Desculpe, mas não vai. Acostume-se. Pandemias de gripe vão virar rotina. Na verdade, já viraram. Por quê? Junte 2 fatores:
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Li uma história incrível no Weblog, o blog do jornalista Pedro Doria. Doria transcreve uma entrevista com o tenente-coronel americano Steven Kleinman.

O que ele conta é o seguinte:

Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo começava a se dividir em duas caixinhas – o período conhecido como Guerra Fria, de dualismo ideológico EUA X URSS –, oficiais de inteligência americanos começaram a perceber um fenômeno estranho. Vários cidadãos americanos presos em países comunistas estavam confessando que pertenciam à CIA. Só que eles não pertenciam. Por que eles estavam dando depoimentos falsos?

Tortura.

Mas não qualquer tortura: era um tipo menos baseado em violência extrema e mais em causar insegurança, debilidade, depressão, terror, confusão mental. Não eram técnicas pensadas para forçar a verdade: era quase o contrário. Eram pensadas para obrigar qualquer confissão, verdadeira ou não. O objetivo dos torturadores comunistas, afinal, não era descobrir os fatos, era fazer propaganda ideológica. E, para fazer propaganda, como os publicitários sabem bem, a verdade nem sempre é o que mais interessa.

O que os EUA fizeram? Criaram um programa, chamado SERE (Survival, Evasion, Resistance and Escape), para treinar agentes americanos a resistir a essas técnicas. Adivinha o que o SERE acabou virando? Ironia: deu origem aos métodos de “interrogatório” usados por agentes americanos na guerra contra o terror. Enfim, os métodos da patota de Bush são baseados num instrumento comunista de manipulação ideológica. Ê mundão véio sem porteira.

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Imagem: Flickr/fPat

Muito bom o trabalho da escritora, artista e fotógrafa Franke James, dona do blog My Green Conscience, onde aliás há pôsteres grátis bem legais tipo este aí embaixo.

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Ninguém vai saber, exceto você.

Você tem consciência verde? Parabéns. Mas ninguém vai saber disso, a não ser você mesmo. Ninguém sabe de verdade o quanto você recicla, o quanto você economiza, o quanto não desperdiça, o quanto você ajuda. Ninguém sabe se as bitucas de cigarro que você já jogou na rua ao longo da vida dariam para encher o piscinão do Pacaembu. Ninguém sabe quanto de lixo você produz, e menos ainda quanto poderia produzir. É assunto seu, privado, para você resolver à noite, na cama, com a sua consciência.

Bons sonhos.

Hoje vou pedir desculpas a você por tomar mais do seu tempo que o normal. Este vídeo aí embaixo tem mais de 20 minutos. Mas vale a pena, garanto. Trata-se de Story of Stuff, de Annie Leonard, especialista em sustentabilidade e em questões ambientais e de saúde. Annie conseguiu mostrar de um jeito simples, direto, o que tem de errado no nosso jeito de produzir e consumir coisas e, consequentemente, na lógica da nossa sociedade. E faz isso deixando claro que o inimigo a ser combatido não é “o capitalismo”, nem mesmo “o consumo”. É um pensamento até que bastante recente, nascido no pós Segunda Guerra, e que as pessoas aprenderam a acreditar ser a única opção. Não é.

httpv://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k

Em 1927, um desempregado de 32 anos, financeiramente quebrado, duas vezes expulso da universidade, pai de uma menina que morreu de paralisia infantil, foi às margens do Lago Michigan, próximo a Chicago. Sua intenção: suicidar-se nas águas do lago. Antes de tirar a vida, ele teve uma ideia: e se, e em vez de se matar, ele passasse o resto da vida fazendo o papel de cobaia em um experimento? O experimento:

“Descobrir o quanto um indivíduo miserável e desconhecido com uma esposa dependente e um filho recém nascido pode fazer em benefício de toda a humanidade?”.

Ele foi mais específico:

“Fazer o mundo funcionar para 100% da humanidade, através de colaboração espontânea, sem dano ecológico e sem prejudicar ninguém”.

O nome desse sujeito era Buckminster Fuller.

Por anos e anos e anos ouvi falar desse sujeito. Ele inspirou os hippies. E inspirou também os sujeitos que criaram o Vale do Silício e a revolução dos computadores. Foi amado por editores de revistas que eu adoro. Foi lido pelos criadores do ambientalismo, e muito dos termos que ele criou (por exemplo, “espaçonave Terra”) ainda ecoam por mercados orgânicos da Califórnia. Era chapa de Albert Einstein. Encantou gerações de arquitetos, de engenheiros, de tecnocratas e recebeu de Harvard um título de “poeta”. Inspirou físicos quânticos. Talvez ele seja um dos teóricos mais influentes do nosso século. Mas ninguém lê mais o que ele escreve. No máximo, lembram dele por ter criado aquela estrutura redonda usada no Epcot Center.

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Resolvi ler. Por anos, Buckminster Fuller: Anthology for the New Millennium ficou na minha prateleira, acumulando poeira e expectativa. Se você visse o livro, você me entenderia: são 388 páginas de letras pequenas e linguagem complicada. Mas, neste feriado, resolvi tirar o livro da minha lista das coisas que me aguardam no futuro. Já deu para sacar: Bucky é um sujeito interessante pacas. Vou cansar vocês com histórias sobre ele nas próximas semanas.


Ontem fui tomar um chá com o Adalberto Veríssimo, Beto, pesquisador do Imazon, que é Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, de passagem por São Paulo (muito chique isso de tomar chá com alguém, não é?).

O Imazon faz um trabalho bem legal, de pesquisa para entender os problemas, de elaboração de propostas para resolver os problemas, e depois de redação e edição de publicações, para explicar os problemas e as soluções de um jeito claro. Parece um jeito interessante e eficiente de exercer impacto na sociedade, e não ficar só no oba-oba. Ele define assim:

– Acho que é assim que as ONGs se justificam. Elas têm que trabalhar na fronteira. Fronteira não só geográfica, mas de conhecimento científico, conhecimento legal, atuação do estado.

Enfim, elas chegam antes, entendem o abacaxi, pensam em como agir e, quando o estado chegar, com seu ritmo mastodôntico, elas já têm uma sugestão de como agir, apoiada em conhecimento preciso.

Conversamos também sobre o plano do governo de regularizar as propriedades na floresta. A situação que ele me descreveu é surreal. Olha o gráfico aí em cima. Está vendo a faixa azul, a menorzinha de todas, de 4%? Este é o único pedaço da Amazônia em que é teoricamente possível fazer manejo, exploração sustentável, coisa e tal. O resto, ou é área protegida – parque nacional, áreas indígenas – ou está com registro irregular. E fora que boa parte do azulzinho já está desmatado.

Ou seja, querem que a Amazônia pare com esse negócio de gado, soja e exploração da madeira – basicamente as únicas atividades econômicas de vulto da região, excluindo a Zona Franca de Manaus. Mas não tem nada para colocar no lugar, porque só um tiquinho da floresta pode ser explorado. As pessoas vão viver de quê? É lógico que o desmatamento vai continuar enquanto não houver uma resposta.

O Beto tem críticas à forma como o governo quer regularizar as propriedades – uma imensa anistia, que pode acabar sendo um incentivo para desmatar mais rápido. Mas não tem dúvidas de que regularizar é urgente.

Fonte do gráfico: Imazon


Ontem, olhando o blog Baixa Cultura, fiquei sabendo que Hermeto Pascoal libertou sua obra, para que qualquer músico do Brasil e do mundo use em suas criações. A carta acima, "de próprio punho", é a "declaração de licenciamento" que ele publicou em seu site.

Vai viver do que então, se abriu a obra para o mundo?, perguntam-me os idiotas da objetividade. De poesia, eu diria, se estivesse em tarde mais lírica (e mais hippie). Mas sei ser prático também: de shows, de convites, de novos projetos viabilizados por novas parcerias, de seu nome que vai se espalhar com sua obra, de frutos concretos e monetizáveis de sua generosidade.

"Já passou da hora de eu me desligar das gravadoras", escreveu Hermeto. "O meu negócio agora é com meus irmãos de som, os músicos."